Venho, publicamente, manifestar a minha indignação!
Porque é que um morcego tão jeitoso como eu tem de trabalhar?
Porque é que não tem direito a subsílios para ficar na gruta?
Eu, neste fim de semana, ouvi falar de subsílios de recessão social. Se pensarmos que,
socialmente, a coisa está cada vez mais deprimida para o meu lado, porque é que
não me dão aéreos de borla para eu poder ficar mais tempo no convívio? Se tenho
de trabalhar para os ter, onde fica o social? Não fica, não é?
É sempre a mesma história… para uns, há tudo. Para o morceguito, não há
nada.
E férias?
Piu, piu.
Se me dessem férias, andava com elas ao pescoço para mostrar aos outros
que também tinha. E acham que as largava, ou que as escondia numa gaveta, ou as
guardava num cofre? O tanas! Se não as tivesse no pescoço, havia de fazer
pulseiras e anéis com elas e não haveria diabo neste mundo que mas tirasse!
Com a brincadeira, já é terça-feira. O calor regressou (Uau, que saudades
que eu tinha de andar a colar e a ofegar todo o dia…) e as previsões no meu posto
de trabalho são as piores possíveis, por isso, antes que piore e a atividade
sísmica comece, deixo-vos uma das partes que eu mais gostei do Lover at Last.
E escusam de salivar, porque não tem sexices.
Beijos bons!
SPOILERS ____ SPOILERS
Lover at Last
- Está tudo bem. – Beijou-a na testa. – Ei, está tudo bem.
O olhar do pai caiu nele, e Blay teve de pestanejar várias vezes quando
os olhos se humedeceram. Depois teve de escudar os seus olhos molhados.
- Minha gente! Pela Virgem Escrivã! – O homem mais velho fungou. – O meu
lindo, saudável, inteligente, preciosíssimo filho é gay – não há nada para lamentar!
Alguém começou a rir. Blay juntou-se.
- Não é como se tivesse morrido alguém. – O pai elevou o queixo da mãe e
sorriu-lhe. – Não é?
- Estou tão feliz por estar tudo resolvido e estarmos todos juntos, -
disse a mãe.
O macho encolheu-se como se um outro desfecho para ele fosse impensável.
- A nossa família é forte – não o sabias já, meu amor? Mas, mais do que
isso, isto não é um desafio. Isto não é uma tragédia.
Deus, os seus pais eram o máximo.
- Anda cá. – Chamou o pai. – Blay, anda cá.
Blay levantou-se e foi até lá. Quando os pais o abraçaram, respirou
fundo e tornou-se na criança que já tinha sido há muito tempo: o aftershave do pai cheirava ao mesmo, e o
champô da mãe ainda lhe fazia recordar as noites de verão, e o aroma da lasanha
no forno despertou-lhe o estômago faminto.
Como sempre.
O tempo era mesmo relativo, pensou. Apesar de ser mais alto e mais
largo, e ter acontecido tanta coisa, esta unidade – estas duas pessoas – eram a
sua base, o seu porto seguro, o seu modelo nunca perfeito, mas sempre
infalível. E enquanto ali estava nos braços amorosos da sua família, ele
conseguiu fazer voar toda a tensão que sentia.
Foi duro contar ao pai, encontrar as palavras, ultrapassar a “segurança”
que advinha de não correr o risco de ter de mudar de opinião acerca do macho
que o criou e o amou como mais ninguém. Se ele não o apoiasse, se escolhesse o
sistema de valores da glymera em vez dele? Blay teria sido forçado a
percepcionar alguém que amava a uma luz completamente diferente.
Mas isso não aconteceu. E agora? Sentia-se como se tivesse saltado de um
prédio… e tivesse aterrado bem, vivo e salvo: o maior teste da estrutura
familiar não tinha sido ultrapassado, tinha sido triunfantemente derrotado.
Quando se afastaram do abraço, o pai pôs a mão no rosto de Blay.
- Sempre meu filho. E eu estarei sempre
orgulhoso de te chamar meu filho.
(…)
Durante algum tempo, só se ouvia o som de comer.
- Então, diz-nos como vão as coisas na mansão. – Perguntou a mãe, depois
de beber um golo de água. – Alguma coisa interessante?
Blay suspirou.
- O Qhuinn foi induzido na Irmandade.
Todos de boca aberta.
- Que honra, - sussurrou o pai.
- Ele merece, não merece? – A mãe de Blay acenou com a cabeça, o cabelo
ruivo a refletir a luz. – Tu sempre disseste que ele era um grande guerreiro. E
eu sei que as coisas têm sido difíceis para ele – como te disse na outra noite,
esse rapaz tem-me partido o coração desde o primeiro dia em que o vi.
Já somos dois, pensou Blay.
- Também vai ter um filho.
Pronto, o pai deixou mesmo cair o garfo e engasgou-se.
A mãe bateu-lhe nas costas.
- Com quem?
- Uma Escolhida.
Silêncio total. Até a mãe murmurar:
- Bem, isso é muita coisa.
E pensar que ele tinha escondido o melhor da história para si próprio.
Deus, aquela discussão que tiveram no centro de treinos. Reviu-a uma e
outra vez, recordando cada palavra que tinha sido despejada, cada uma das
acusações, cada negação. Odiava algumas coisas que tinha dito, mas mantinha a
opinião.
Caramba, podia ter usado outras palavras. Arrependia-se mesmo dessa
parte.
No entanto, não havia forma de desculpar. Qhuinn tinha desaparecido. O
guerreiro nunca mais esteve presente nas refeições, e se treinava, nem era
durante o dia nem no ginásio do centro de treinos.
Talvez se andasse a consolar no quarto da Layla. Quem sabe?
Pensou no que significava aquele tempo passado com a família e a sua
aceitação – e sentiu-se outra vez um asno.
Deus, tinha mesmo perdido a cabeça, depois daqueles
anos todos de ata e reata, chegou o fim.
E não havia volta a dar, pensou.