Saudações Amantes da Irmandade!
Quanto a vocês, eu não sei, apenas sei que eu estou a ficar completamente apaixonada por IMMORTAL.
Obrigada à nossa maravilhosa Nighshade.
Dois Docinhos num só, aproveitem bem!
Immortal 6
Capítulo 19
- Devina, eu quero ajudar o melhor que posso, mas é um
desafio se não falares.
Devina, sentada no sofá cor de creme da sua terapeuta,
sabia que a mulher tinha razão. Afinal de contas, humanos não podiam ler
mentes. Mas merda, por onde começar?
- É algum contratempo com o teu trabalho? - Murmurou a
terapeuta. - Sei que disseste que um colega teu de trabalho está a tentar
ultrapassar-te para ganhar a posição de Vice-Presidente. Ou é um problema com o
homem que mencionaste?
Ah sim, uma feliz lembrança do quanto ela tinha que
guardar para si, de forma a evitar rebentar com aquele pequeno cérebro
«mestre-de-nível-social-de-trabalho» em pedacinhos: Devina havia transformado a
guerra na promoção no trabalho, e Jim, a competição para o posto de VP. Depois,
quando as coisas entre ela e o salvador tornaram-se quentes e pesadas, ela
mudou o rumo para algo mais perto da verdade.
Que Jim era um interesse de romance que não estava a
correr tão bem como esperado.
- Sabes uma coisa? É a primeira vez que te vejo assim.
Devina aclarou a garganta.
- Silenciosa, não é?
- Não, sem maquilhagem. És bonita sem aqueles
auto-proclamados «melhoramentos». Já alguma vez ponderaste sair assim mais
frequentemente?
Devina toca na sua cara.
- Acho que... esqueci-me.
- Tens as mãos com ligaduras, magoaste-te?
- Sim.
- Eu gostava de saber como, Devina. Eu quero ajudar-te.
Deus, a voz da mulher era tão calma como um abraço, o
tipo de coisa em que se queria tirar tudo do coração cá para fora, mesmo que
não fosse da sua natureza fazê-lo.
- Tive um acidente com tudo o que possuo.
As sobrancelhas da mulher subiram da sua cara
rechonchuda. Hoje, mais uma vez, vestia um conjunto largo, com um casaco que
caía até ao chão e uma blusa, que provavelmente, tinha sido uma tenda numa vida
anterior. Tudo estava em tons de castanho, tal como as paredes do consultório,
a carpete, o par de óculos de leitura à volta do seu pescoço. Até a caixa de Klennex era em tons de castanho.
Era como uma fotografia em sépia.
Apesar dos pedaços de madeira de «praia» serem mais dos
anos setenta do que terem voto na matéria no que dizia respeito a épocas.
- ... que aconteceu? Devina?
Devina concentrou-se na mulher.
- Tu não sabes quem eu sou, na realidade.
- Não? - A terapeuta sorriu um pouco. - Ficarias
surpreendida com o quanto eu sei sobre ti.
Uh-huh. Certo.
- Eu não... amo as pessoas. Não fui feita assim.
- Mas tens amor dentro de ti. - Quando Devina começou a
argumentar, a terapeuta abanou a cabeça. - Não, tu amas as tuas coisas... tu
tomas conta delas, mantém-las seguras, preocupas-te com elas. Não é saudável,
pois indica um componente de vício, mas tens a capacidade de forjares ligações.
Infelizmente, tu escolhes objectos, porque é mais fácil, isso é compreensível.
Objectos inanimados não partem o coração, nem te traem. Objectos são seguros.
Pessoas são complicadas.
Bem, sim, pensou Devina. Mas ela também não era dada a coração ou
flores porque, olá!, era maligna.
- Ele ama outra pessoa - acabou por proferir.
- Esse teu homem?
- Por quem eu estou apaixonada... sim, ele ama outra
pessoa. Mas ele é meu. Ele é suposto
ser meu, não dela.
- Vocês os dois estão numa relação?
- Deveras, muito.
A terapeuta concordou.
- E sentes que ele te foi infiel.
- Ele agora está a viver com a outra. Quero dizer, eu
estava com ele quando a conheceu. Eu só nunca esperei que... - Devina puxa o
cabelo para trás. - É o seguinte, eu e ele tivemos uma noite romântica no
Freidmont, certo? E foi tudo maravilhoso. O melhor sexo que já tive. - Jim
tinha-a fodido com tal brutalidade por trás, que a testa dela tinha deixado uma
marca no tapete aos pés da cama. - Mas na manhã seguinte? Ele segue para casa
para ir ter com a outra. Deixa-me, e vai para casa... para ela. E eu digo-te,
ela não é nada atraente. Meu Deus, ela é como um lápis Ticonderoga. Plana. Tão plana, sem curvas e aquele cabelo? Por
favor, já vi pêlo de rato melhor que aquilo. É muito constrangedor que ele
esteja, actualmente atraído por ela.
- Tinhas a impressão de que estavas a viver uma relação
de monogamia com ele?
- Claro que sim. - Como podia ele querer outra que não
ela? - Estamos apaixonados.
- Mas ele anda a ver essa outra mulher.
- Sim.
- Então, o que aconteceu para me ligares? Acabaste de
dizer que tiveste um «acidente» com todas as tuas coisas?
Devina lutou contra a sensação de se ir abaixo quando se
lembrou da confusão na sua cave.
- É bastante mau o facto de ele estar com ela depois
daquela noite especial. Eu arrisquei tudo por ele. Quebrei algumas regras
sérias para o salvar do... trabalho.
- Falas de mandatos cooperativos, ou estado e leis
locais?
Devina considerou que as regras do Criador eram mais como
as do FBI.
- Leis bastante altas. Eu salvei-o do trabalho dele... e
depois vi como ele foi ter com ela, mesmo à minha frente e...
Okay, ela não queria realmente pensar em Sissy e Jim a terem
aqueles sentimentos bons depois de reunidos, depois de ele ter voltado do
Purgatório.
Foda-se, ela ia vomitar.
- Ela também trabalha para a empresa?
- Como pôde ele fazer-me isto? - Devina murmurou.
- Sabes, acho que seria mais produtivo concentrares-te só
em ti e para onde queres ir a partir daqui. Não podes controlá-lo ou as
escolhas dele. No final, as pessoas têm que ganhar o direito de participarem na
tua vida, e parece que ele não o está a fazer. Poderá ser uma opção mais
saudável evitares contactar com ele e fazeres uma pausa na relação. Com
distância vem perspectiva.
- Vai ser impossível não contactar com ele. Pelo menos na
próxima batalha.
- Batalha?
- Semana. - Dependendo de quanto tempo demoraria a
ganhá-la. - Ou assim.
A terapeuta inclinou-se para a frente, os seus dedos
rechonchudos a agarrar os seus óculos de leitura castanhos e dourados.
- Devina, é importante que percebas que não existe alguém
para nós. Relações entram e saem das nossas vidas o tempo todo. Algumas são
mais dolorosas que outras, mas é assim que aprendemos, que nos conhecemos a nós
próprios, o mundo que nos rodeia, e as outras pessoas.
- Mas porque tem que doer tanto? - Disse Devina, deixando
cair a cabeça para o lado. - Porquê?
As feições da terapeuta mudaram de repente, uma luz
estranha a envolver os seus olhos.
- Eu lamento que estejas a passar por isto, sinceramente,
lamento. Eu só acho que não existe outra forma de aprendermos as lições que
temos que aprender. - A terapeuta fechou e abriu as hastes dos seus óculos. -
Sabes, as pessoas estão sempre a fazer-me essa pergunta, e esta é a única
resposta que tenho para dar. Eu queria que fosse diferente, mas quanto mais eu
vejo, mais acredito que, tal como as crianças que têm dores no corpo para
atingirem a maturidade, as almas das pessoas aprofundam e ganham ressonância da
mesma maneira. Para serem desafiadas, para crescerem, para ficarem mais fortes.
E isso só vem com a dureza da perda, do coração destroçado, do desapontamento.
Tu fazes o trabalho que tens que fazer, Devina. E eu estou muito orgulhosa de
ti.
Devina encarou a mulher durante muito tempo. Engraçado,
naquele momento, a terapeuta não parecia tão gorducha ao estar sentada no sofá
acolchoado. Ela parecia... magnificente... na sua sabedoria.
E ela era sinceramente empática. Apesar de Devina ser só
uma das oitocentas e setenta e cinco horas de sessões num dia, a terapeuta
parecia, seriamente, preocupada.
- Como é que fazes? - Perguntou Devina.
- Fazer o quê?
- Preocupares-te assim tanto? Não te consome?
Tristeza emergiu, contornando um pouco o seu rosto.
- É o fardo que carrego. É o meu crescimento e a minha
maturação... o meu trabalho.
- Fico contente por não ter o teu trabalho.
A terapeuta riu-se.
- Sim, Devina, isto não é para ti.
Devina olhou para o relógio e apalpou à procura da sua
mala.
- Tempo de ir. Eu passo-lhe um... raios, onde está a
minha carteira?
- Não me lembro de te ver com uma quando entraste.
- Oh, posso passar-lhe um cheque de duas sessões na
próxima consulta?
- Na verdade, eu encaminharei tudo para a tua companhia
de seguros, agora. Eles tomarão conta disso.
- Oh, óptimo. - Devina levanta-se e hesita. - Não tenho a
certeza para onde ir com tudo isto.
- Acredites ou não, isso faz parte da descoberta do teu
caminho. Confia em mim. E talvez devêssemos marcar a tua próxima consulta para
o final da semana. Que achas?
- Sim, boa ideia. - Mas ia garantir que se maquilhava no
próximo tête-à-tête. - Até breve.
- Sê boa para ti, Devina.
Sim, claro.
Ao ir para a porta, ela pára e olha por cima do ombro. A
terapeuta não se mexia, não se movimentava do seu sítio no sofá. E no entanto,
entre um fechar de olhos... algo mudou. Algo...
Okay, ela estava a perder a cabeça.
Não admirava que tivesse que ser consultada três a quatro
vezes por semana.
- Obrigada - murmurou Devina. - Sabes, por um momento...
- Eu sei. - A terapeuta riu-se novamente. - E quero que
mantenhas algo em mente. Não parece que esse homem te ame ou te respeite.
Reconheço que acreditas que o amas, mas desafio-te a teres, ou não, uma boa
bússola no que é realmente correcto para ti numa relação. Eu sei que é difícil
avançar quando os sentimentos são muito fortes, mas às vezes é a única forma de
nos mantermos sãos. Também estou na disposição de apostar, que se fizeres o trabalho
que supostamente tens que fazer, que quando o homem certo aparecer, não só
ficarás logo a saber, como vais poder ter uma relação produtiva e saudável com
ele.
Devina riu-se rispidamente.
- Não imagino isso, mas obrigada pelo voto de confiança.
- Vejo-te depois de amanhã.
- É um encontro.
Devina sai e deixa que a porta contígua ao consultório se
feche sozinha. Ao atravessar a sala de espera, o próximo cliente mantinha a
cabeça bem enfiada dentro da revista que estava a ler, como se quisesse que
ninguém soubesse que precisava de um psiquiatra.
Tal que nem sequer olhou para ela. Também, ela não estava
no seu melhor, nem se sentia no seu melhor.
Pelo menos, teve alguma orientação. A terapeuta estava
certa. Ela podia reclamar e queixar-se com as coisas que aconteceram com Jim, e
da maneira como se desiludiu com ele, mas era realmente, perda de tempo tentar
mudar as coisas. Ela precisava de se concentrar no seu próximo passo em relação
à guerra, e isso era ficar por cima do filho da puta, tão simples como isso.
E depois, considerando como Sissy e Jim se estavam a
tornar íntimos? Ela sabia exactamente como ia ganhar isto.
Um bocadinho de «mandar à merda» para eles os dois.
Só havia uma coisa que tinha de fazer primeiro: ela teria
que lidar com o que fez à sua colecção. Tinha que limpar a confusão espalhada
pela cave e a dispersão na sua mente, e essa porcaria era definitivamente, real
para ela. Quando estivesse tudo em ordem? Ela ficaria mais que pronta.
Muito obrigado, Jim Heron, seu cabrão.
Ao caminhar pelo vestíbulo do prédio de serviços
profissionais, ela ainda sentia-se como a morte, mas pelo menos mexia-se.
Foi na rua, à luz do sol de Primavera, que ela parou por
um momento e olhou para a fachada do prédio de vidro e aço de cinco andares com
o sobrolho franzido.
Engraçado, ela não tinha nenhuma companhia de seguros.
***
No Céu, Nigel senta-se à mesa posta para quatro, com
apenas dois dos seus companheiros arcanjos. Mesmo assim, Bertie e Byron estavam
alegres, apesar da ausência crítica. Mas também, para eles, pelo menos, era uma
forma de regresso à normalidade, e isso eram boas notícias mesmo na penumbra da
guerra.
Nigel ao servir Earl
Grey para a sua chávena de porcelana e tomar um gole, ele não se sentiu
similar, apesar de aquele repasto ser uma melhoraria, no que dizia respeito à
poeira constante do Purgatório.
Como é que os humanos se sentiam quando sobreviviam a
doenças ou acidentes? Ele estava de novo presente entre os seus colegas, sentia
a cadeira debaixo dele, o peso das suas roupas, a pega curva da sua chávena ao
seu alcance... e no entanto, estava ausente, a sua mente a tentar tecer a
ligação entre onde ele havia estado e onde se encontrava agora.
Até ao momento, sem sucesso.
Em verdade, apesar do seu corpo se mexer, a sua
consciência estava ainda no outro lado do Céu e havia um zumbido atordoante
associado à separação corpo-mente.
Ele tinha a noção que se conseguisse, de alguma forma,
conectar-se com qualquer coisa vívida, iria ajudá-lo no processo da
reintegração.
Mas Colin foi explícito na sua decisão quando abanou a
sua cabeça naquele salão.
Na distância, no outro lado dos relvados verdes, uma
figura de branco aparece, aproximando-se... e a respiração de Nigel parou na
sua garganta. Alto e forte, com o andar do lutador que era, Colin aproxima-se
com eficiência... e completamente destroçado, o que deixou Nigel estupefacto.
Quando o macho se senta, cumprimenta apenas Tarquin, o
wolfhound irlandês, e os outros ficam quietos e em silêncio.
E no silêncio tenso que se seguiu, Nigel reparou que
aquele cabelo escuro estava molhado devido a uma recente lavagem e que Colin
cheirava a sândalo e especiarias.
- Agora que todos se reuniram - disse Nigel, roucamente.
- Eu desejo formalmente pedir desculpa pelos meus actos.
Ou mais correctamente:
Lamento tanto Colin. E eu teria preferido fazer isto em privado.
- Num esforço para envolver ainda mais o salvador, eu...
Colin intromete-se.
- Eu acho que todos podemos concordar que devido aos
resultados terríveis desta guerra, a única coisa que importa é o que fazemos a
partir daqui.
Lê-se: Não estou
interessado em qualquer tipo de explicação ou desculpa, pública ou em privado.
Nigel demorou um momento a recuperar do murro que levou
no estômago.
- Sim, com certeza. - Ele aclarou a garganta enquanto
Byron e Bertie permaneceram quietos, ocupados a contar os seus scones. - Eu acredito que a questão que
se coloca, é se se dizemos ou não ao salvador do seu próximo papel na guerra.
- Estás a assumir que ele vai vencer a próxima batalha -
murmurou Colin.
- Ele não vai permitir a derrota.
- Talvez precise de te lembrar que se trata de um anjo
que deu uma bandeira.
- Ele mudou.
- Porque foi até ao Purgatório e voltou? - Os olhos de
Colin ficaram, finalmente nivelados quando se entreolharam por cima do chá e
das sanduíches. - Deve ser um sítio transformador, então. Infelizmente, muito
pouco, demasiado tarde, e por aí fora.
- Não é o sítio, mas a natureza dos erros que pode mudar
o curso de uma pessoa. A mágoa de actos infelizes pode ser um poderoso
catalisador.
- Existem muitas coisas que podem ser catalisadoras.
Lê-se: Como ser abandonado
e traído por aquele que amas.
- Chá? - Pergunta Bertie, como se quisesse quebrar
entrelinhas insignificantes.
- Não, obrigado. - Colin olhou fixamente para a Mansão
das Almas. - Sustento é a última coisa em que penso agora.
Byron colocou a sua chávena no seu pires como, se também
ele, tivesse perdido o apetite. Mas os seus olhos brilhavam atrás dos seus
óculos de lentes rosa.
- Estou encorajado pelo teu optimismo, Nigel. E espero
que ainda consigamos prevalecer, e no entanto, sempre respeitei o teu
compromisso com as regras referentes a esta guerra. Consigo perceber o porquê
de ser benéfico se Jim ficar a saber que será ele a última alma a ser
disputada.
- Assumindo que não vamos perder a próxima batalha. -
Atira Colin. - Visto que já perdemos três.
- Jim não vai ser vencido. - Nigel tomou um gole da borda
da sua chávena de porcelana. O chá sabia a sabão, apesar de a infusão ter sido
feita da mesma maneira que as anteriores. - Não com quem está em jogo.
- Tu achas que isso vai fazer a diferença? - Colin ri-se
friamente. - Amor não é assim tão infalível. Pelo menos na minha experiência.
Com isto, o arcanjo levanta-se.
- Se todos me derem licença. Vou verificar o perímetro do
castelo.
- Queres companhia? - Perguntou Bertie.
- Não. Obrigado.
Com Colin a ir-se embora, Bertie e Byron retomaram a
ficarem ocupados com trivialidades que não incluíssem Nigel.
- Tarquin - murmurou Nigel. - Vai com ele, sim?
O wolfhound deixou sair um latido e depois, com as suas
patas almofadadas, partiu seguindo o caminho de Colin, com a distância e a
subtileza que um animal de 63 quilos e que se parece com uma esfregona,
conseguia ter.
- Acho que me vou ausentar para descansar - disse Nigel a
colocar o guardanapo sobre o seu prato vazio. - Se me dão licença.
Ele odiava ficar emocional em qualquer circunstância.
Mostrar tristeza ou dor à frente de outros?
Nas palavras do salvador: nem pensar nessa merda.
Capítulo 20
Bem-vindos ao Home Depot! Em que posso ajudar?
Jim, ao olhar para a origem do som, pensava com muito
carinho em facas. Soqueiras. Pé de cabras. Mas vá lá, o que dava as boas-vindas
era um homem no seus setenta anos, com mais cabelo branco na barba que na
cabeça... como se a pobre alma merecesse esse tipo de tratamento sem motivo
algum? Bolas, ele era quase como o Pai Natal que só precisava de tomar Rogaine
para chegar lá. E um fato de veludo vermelho, em vez daquele avental cor de
laranja, bata, o que fosse.
- Contraplacado de madeira - disse Ad.
- Oh, muito bem! - Sim, ele provavelmente dizia isso
sempre como resposta: mangueiras, grelhadores, lâmpadas, chão. - Se vai desejar
ir atéééééé...
Ele estendeu os «és» ao girar e apontar para a fila de
andaimes de seis metros de altura com as exposições deles.
- ...ééééééé ao fundo do corredor, pergunte por Billy. Já
esteve cá antes? Porque oferecemos um especial desconto na encomenda de
mercadorias de tamanhos grandes.
- Obrigado - disse Ad a começar a andar.
- E obrigado pelo serviço, jovem.
O anjo parou.
- Desculpe?
- Não se feriu na guerra?
- Ah, sim. Acho que se pode dizer isso.
Com Ad a agradecer com a cabeça ao quase Pai Natal e a
coxear dali para fora, Sissy seguiu-o bem junta aos calcanhares do anjo, e Jim
deixou-se ficar mais atrás deles.
Caramba, já havia
passado algum tempo desde que estivera numa loja como esta. Ou... mais correctamente,
só parecia que tinha passado muito tempo.
Aquela merda fê-lo lembrar de como era desagradável antes
de ter manobrado a sua libertação das operações especiais: ele só conhecia
«matar-para-o-governo», nunca considerou o facto de se tornar num civil, ou na
simples alegria que era entrar no seu carro com quarenta anos e deixar a sua
quinta de dois hectares e conduzir cinco quilómetros até ao Home Depot local ou
o Lowe's e comprar um cocktail de fertilizante para o solo, um martelo novo, e
uma rede para a porta das traseiras.
Infelizmente, não teve a oportunidade de desfrutar muito
dessas coisas.
Não com esta merda toda de ser o salvador lhe ter dado um
pontapé no cu.
À medida que os seus olhos viam à volta da loja
cavernosa, ele pretendia verificar o quiosque das lâmpadas que ficava no
centro, com os seus candeeiros pendurados e candeeiros de pé, o brilho solar
falso.
Em vez disso, os seus mirones prenderam-se em Sissy e
sofreram um sério caso de não-vou-parar-de-olhar.
Jesus Cristo, que confusão. A única coisa que fez
correcto foi ajudá-la a ultrapassar a sua primeira vez. Tudo o resto foi uma
grandessíssima merda, especialmente na forma como havia acabado entre eles os
dois, com ele a ir-se embora com uma desculpa esfarrapada de ter que ir tomar
um duche. Ou algo assim.
Foda-se, nem se conseguia lembrar do que lhe tinha dito.
O problema foi que quando estavam a ter sexo, ele estava
tão excitado que só lhe apetecia penetrá-la com força, o seu corpo uma linha
ténue de perder o controlo. Com medo de a magoar, saiu de dentro dela e veio-se
para os lençóis, as suas ancas a estocarem contra o colchão... que foi muito
melhor do que nela. Pelo menos, foi o que pensou.
Depois disso, foi a vez do silêncio constrangedor, que
piorou quando ele rolou de cima dela para se tentar controlar: mas em vez disso
acontecer, o orgasmo só o fez ficar mais faminto. De tal forma, que ficou
preocupado em repetir o acto. Que não é o que se faz quando se tira a
virgindade a alguém.
- Temos pregos e martelos? - Perguntou Sissy.
Ad abana a cabeça.
- Importas-te de ir buscar enquanto nós vamos buscar a
serradura?
- Não, na boa. - Como se tivesse andado à procura de uma
desculpa para sair dali.
E embora se foi, avançando em frente e
desmaterializando-se na esquina. Naturalmente, não podia deixá-la ir sozinha...
Ad agarra-o pelo braço.
- Deixa-a ir. Estamos todos sob o mesmo tecto, e talvez o
regresso a casa não seja outro pesadelo, se lhe deres algum espaço.
- A viagem até aqui não foi assim tão má.
- Se se comparar com cirurgia aberta.
Com Ad a mantê-lo ali, eles passaram por mais
funcionários com os aventais cor de laranja, e ponderou se podia perguntar a um
deles o que podia fazer. Meu, se ao menos as mulheres fossem como as casas, o
tipo de coisa que se podia arranjar com um bom trabalho manual e uma caixa de
ferramentas.
- Que merda é que aconteceu entre vocês? - Ad pára e
verifica tampas de extremidade da Levolors.
- E faz-me um favor e não digas «nada».
Podemos ser todos varridos da face do planeta num dia e meio. Não temos muito
tempo, mas indo ao ponto, isto pode estar bom e ser merda logo a seguir,
portanto o que tens a perder?
- Sem ofensa, mas tu realmente achas que tens algo a
acrescentar no que se refere a mulheres?
Ad franziu o sobrolho e andou outra vez.
- Tens razão.
Estavam a virar a esquina para o big-boy land com a madeira quando Jim, abruptamente diz:
- Ela já não é virgem.
Ad tossiu para a mão.
- Oh, sim. Ah, é suposto dizer parabéns?
- Óbvio que não. Eu não soube o que dizer a seguir, eu
limitei-me... a levantar e a sair. Bem, não exactamente. - Conseguiu dizer algo
como precisar de um duche. Que em retrospectiva sugeriu que se precisava de
limpar ou algo assim. - Não sei, assustei-me.
- Porque foi uma desilusão?
- Não... porque foi bom. E o meu cérebro não estava a
funcionar correctamente, então fodi tudo. Quando finalmente, consegui ter ordem
na cabeça, ela tinha ido para a cozinha e tudo ficou uma merda.
E existia outra verdade nisto tudo: ele ficou preocupado
se iria para a «terra da distracção» mais uma vez... e todos sabiam como isso
tinha resultado tão bem para eles. Nigel. Purgatório. Salão destruído.
A perder.
Parecia que precisava de um segundo para descobrir se
estava a mentir a si próprio, ou não, ao pensar que podia fazer ambos: lutar e
estar com ela. Não que ele tenha dado muita importância à consciência quando
foi ter ao quarto dela. Aquela pequena viagem serviu mais como um ricochete,
ele a ressaltar do terrível Purgatório para a única coisa que ele sabia que o
podia conectar para a liberdade.
Mais, ele simplesmente, desejava-a.
O mais triste? Coloquem-no no meio da natureza e ele
consegue sobreviver sozinho por semanas. Conseguia montar e desmantelar bombas.
Conseguia disparar uma bala a trezentos metros... ou na cabeça de alguém.
Mas nunca havia sofrido um caso de cérebro bloqueado como
aquele que teve logo a seguir à sessão com Sissy. E entretanto, ela estava
furiosa e magoada... e ele não sabia o que fazer para corrigir a embrulhada.
Talvez, se respirasse um pouco, fosse bom.
Ele mentalizou-se que devia concentrar-se na guerra e só
ter uma espécie de vida amorosa depois do final da meta.
Merda.
***
Sissy descobriu a secção dos martelos e ficou
estupefacta. Para ela, um martelo era aquele que o pai dela tinha na velha
caixa de ferramentas Sears... algo
com uma pega de madeira desgastada e uma cabeça corroída. Os objectos à venda
mais pareciam primos luxuosos: o ultra-deluxe, o titânio, o anti-derrapante, o
brilhante.
Era como ir a uma ourivesaria para gajos.
Estava prestes a pegar num quando se apercebeu que se
tinha esquecido de se tornar visível... um facto que se tornou aparente quando
uma mulher, que parecia tão perdida como ela, atravessou-a com o seu carrinho
das compras cor de laranja cheio de venezianas.
A sensação que teve foi algo como febre a percorrer o seu
corpo, vibrações quentes e frias a embalá-la. E a mulher pareceu sentir
qualquer coisa também... parando o carrinho abruptamente e olhando em volta.
Claramente, Ad e Jim haviam pensado em tornarem-se
visíveis para aquele senhor que lhes deu as boas-vindas, se não, não teria
falado com eles.
- Porra - suspirou.
Mas também, será que ela queria correr o risco de
esbarrar com alguém que conheça? Não que os seus colegas fossem para um lugar
daqueles às onze da manhã num dia de semana... mas nunca se sabia em relação a
amigos ou parentes.
E Deus sabia que já tinha com o que se preocupar.
Ela não fazia a mais pequena ideia do que se tinha
passado de errado com Jim. E se entrou na área do «magoada e confusa», agora
estava envolvida na fase do «vai-te foder».
Aquela raiva dela voltou, supôs.
A única coisa que a impedia de atacar Jim era a realidade
de eles não estarem numa relação. Ele não lhe devia nada mais do que haviam
partilhado na cama. Pelo menos essa parte tinha corrido bem. Não conseguia
imaginar ninguém a tratá-la melhor do que ele. Mas depois as coisas ficaram
distorcidas... e assim permanecem.
Esta situação fê-la lembrar de todos os telefonemas e
conversas que havia tido com colegas da escola que namoravam e que depois
acabavam. Ela sempre tinha estado na periferia do drama, nos bastidores, a
perguntar-se qual teria sido o problema.
E depois aquela manhã acontece.
Mais outro momento alto que desejava não ser adicionado
ao reportório dela. E, caramba, era difícil não pensar o que aquele demónio e
Jim teriam feito durante a noite de divertimento e jogos deles.
O que a fez ficar ainda mais enraivecida.
Pelo canto do olho, ela vislumbra um homem ao pé da
secção das chaves de parafusos. Ele era alto, cabelo escuro, um olhar
intenso... e tinha uma auréola. Tal como ela e Jim.
- Sissy?
Com o som da voz de Ad, ela olha por cima do ombro, e
depois aponta para o tipo.
- Olha, é um de nós.
Ad franziu as sobrancelhas com muita intensidade.
- Sim. Eu conheço-o. Hum... tens o que precisamos?
- Não vais falar com ele?
- Não. - Ele estica-se e tira ao acaso dois martelos. -
Jim está a tratar do contraplacado. Vamos... precisamos de pregos e de uma
serra.
Sissy voltou a olhar para o outro tipo, que pareceu não
notar nela ou em Adrian.
- Como é que o conheces?
- Não importa. Vamos.
- Quem é?
- É som um tipo.
Desistindo, ela segue Adrian para um corredor e espera
que ele encontre alguma caixa de pregos. E depois foi para a secção das serras.
Excepto, antes que Ad fizesse a sua escolha das duas mil
variedades diferentes, ele pára e olha para ela.
- Como é que tu
o conheces?
Ela apontou para a própria cabeça.
- Ele tem uma auréola. Como eu e Jim.
Aqueles olhos dele subiram.
- Sem ofensa, mas não vejo nada aí.
- Um círculo dourado. Como uma linha brilhante atada em
si mesma, a flutuar. Está mesmo aqui.
Ad abana a cabeça.
- Não vejo nada, mas não importa. Vamos voltar e arranjar
o salão.
Quando voltaram para a secção das enormes peças de
madeira, Jim empurrava uma grande plataforma rolante para retirar os itens
volumosos... e ele deve ter sentido a sua presença, porque olhou por cima do
ombro.
Por um segundo, ela não conseguiu acreditar que eles
tinham feito sexo. Essa experiência entre os lençóis parecia distante como um
sonho, algum tipo de neblina, como se fosse tudo invenção.
Mas a deliciosa sensação de dorido que sentia entre as
coxas contava-lhe uma coisa completamente diferente. Tal como a raiva dela.
Como não havia razão para esperar ao pé de Jim, ela
avançou e deixou-se ficar ao pé das portas automáticas. Pessoas andavam por
todo lado, todos concentrados como se tivessem listas mentais e com vidas
ocupadas que, se esquecessem de alguma coisa e tivessem que voltar para trás,
seria uma grande chatice.
Nenhum deles fazia ideia do que se tinha passado no dia
anterior naquele salão... ou que estavam a ser observados por alguém que não
era como eles.
Era difícil de saber se a ignorância deles era uma boa
coisa ou não. Levariam eles vidas diferentes se soubessem o que realmente se
andava a passar?
Provavelmente. E fê-la lembrar de um jogo que ela e a
irmã costumavam brincar: se tiveres só vinte e quatro horas de vida, o que
fazias? Ela lembrou-se das suas respostas incluírem muito chocolate. Também,
tinha doze anos na altura em que jogou pela última vez. Deus, ela sentia
saudades dos pais. Da irmã. Dos amigos.
Da sua vida.
Sem nenhuma razão em particular, ela olha para o parque
de estacionamento... e foi quando viu um carro que não se enquadrava: um grande
Mercedes-Benz preto que percorria o
espaço num andamento lento, as suas linhas a brilharem com a luz do sol.
Os vidros eram escurecidos, por isso não se conseguia ver
quem conduzia, mas ela sabia.
Ela sabia.
Ao sair da loja, o sedan
afrouxou e a janela do lado do passageiro desceu. Sem dúvida, era o demónio
atrás do volante, e no instante em que Sissy prendeu o seu olhar no dela, a
feliz coincidência de ambas terem estado com Jim, estalou na sua cabeça.
Ele serviu a ambas. Sem dúvida a fazer com Devina as
mesmas coisas que tinha feito com ela, pouco mais de uma hora atrás.
O beijar. O tocar. O lamber.
O sexo.
Instantaneamente, ela estava de volta ao salão, a abraçar
Jim quando havia regressado da sua morte imortal, tão aliviada e a sentir-se um
bocado superior por o demónio ter que fazer de tudo para ter a atenção de Jim,
e ele só ter olhos para ela. Mas agora? Depois de lhe ter tirado a virgindade?
- Aquele filho da mãe - silvou Sissy.
O demónio inclina-se para a janela aberta. Com uma voz
obscura, diz:
- Entra.
E por agora é tudo. Beijokas e bom fim de semana.
*Nasan