Vamos a mais um docinho para a alma? Bora lá então. Mas antes, obrigada Nightshade
Anjos Caídos #6
Immortal
Capítulo 39
Enquanto o arcanjo Nigel
olhava para as grandes muralhas da Mansão das Almas, os seus olhos estavam
focados na bandeira da vitória que esvoaçava ao pé das outras duas. Mas ele não
pensava na vitória de Jim, nem se debatia com o facto de ser habitual o
salvador ir até lá acima e marcar a ocasião com uma visita. Apesar de o anjo
não ter comparecido.
Não, Nigel estava
preocupado com outra coisa. Ele sabia muito bem o que se passava lá em baixo,
Jim estava prestes a morrer, e tendo em conta que só faltava a última batalha,
Nigel devia de ter iniciativa e interferir.
Afinal de contas, o
Criador permitia interacção no que dizia respeito ao salvador, e curar uma
ferida na cabeça, era sem discussão, uma forma de «intervenção».
Em vez disso, ele
esperava que o convocassem. E não ficou impressionado pela sua aparente
disposição de usar esta situação terrível para os seus motivos pessoais.
Realmente, o desespero
podia mudar as pessoas, não podia?
- Ah, sim - ele
suspirou. - Bem-vindo Edward.
Com a permissão dele, o
anjo materializou-se na relva ao lado dele… e foi muito agradável ver o gajo.
Edward, sem dúvida que era alto e forte, mas o que o fazia mais útil era o seu
olhar calmo, mesmo com Jim gravemente ferido na Terra, todas as faculdades
necessárias estavam intactas.
Nigel sorriu, e não de
uma forma de desdém educado. Ele estava, honestamente, contente por ter aquele
lutador de volta.
- Que bom ver-te.
A vénia de Edward foi
reverente. Apropriada. Considerada.
E era como um copo de
água fresca num lugar quente e seco: mesmo bastante apreciado.
- Senti saudades tuas,
meu velho amigo. - Nigel ofereceu a mão e os dois cumprimentaram-se. - E eu não
perderei mais tempo. Estou ciente porque vieste.
- Podes ajudar?
- Não - mentiu. - Ainda
estou a recuperar das minhas férias mal programadas. Mas, vamos embora e
resolver isso, vamos?
Ele conduziu o caminho
através do relvado, passando a passos largos pela mesa que já estava disposta
para o chá, apesar de faltarem horas para o repasto. Previsivelmente, quanto
mais se aproximavam do rio sinuoso e da tenda do seu ex-amante, mais o coração
imortal de Nigel batia. Colin evitava-o de forma estudada e deliberada, ao
ponto de não existir nada dele para encontrar.
Sob a máscara da calma,
Nigel estava quase a quebrar, e a energia necessária para afectar a mentira da
razoabilidade pragmática criou uma dor nas suas têmporas.
Ele estava aterrorizado
que o outro arcanjo não se encontrasse ali, mas felizmente, Colin estava
reclinado na sua cama desdobrável, com um livro velho de cabedal nas mãos, e
ele olhou para Edward quando se aproximaram. Imediatamente, ele colocou o livro
de lado, aproximou-se e abraçou o anjo, dando-lhe palmadas fortes nas costas.
- Estou feliz que tenhas
voltado, companheiro. - Os olhos de Colin, aqueles olhos adorados e intensos,
passearam pelo rosto de Edward, como que a verificarem se as feições do anjo
estavam no lugar. - E não pareces nada mal.
Oh, como Nigel ansiava
aquele tipo de boas-vindas em casa.
Os dois trocaram breves palavras,
nada das quais Nigel ouviu ou se interessava.
- A tua assistência é
requisitada - interrompeu Nigel. - Houve um acidente lá em baixo.
Edward olhou para ele
surpreendido pela tensão calma que mostrou.
Entretanto, Colin olhou
para fora da entrada da tenda, sem dúvida desejando que a visita de Edward
tivesse sido um caso isolado.
Nigel sentiu-se
compelido a continuar:
- Existe uma cura para
se fazer e eu não me encontro capaz de a realizar.
- Então, vamos em
frente, companheiro - disse Colin a Edward. - E eu irei…
- Vamos todos juntos.
Isso deu a Nigel a
atenção que desejava, aqueles olhos viraram-se e semi-cerraram para ele com um
desgostar que o arcanjo normalmente demonstrava a Devina.
Nigel levanta uma
sobrancelha:
- Estou convicto que tu,
mais do que ninguém, não vai deixar que inimizades pessoais metam-se no meio do
teu trabalho.
Colin bate o maxilar com
força, as cavidades debaixo das bochechas a destacarem um duro relevo. Mas ele
não discordou.
Aquilo não suavizava
nada o conflito, mas pelo menos os dois iam para um espaço fechado juntos
durante o tempo que fosse preciso para trazer Jim de volta e ir à acção. E
claro, tinha que ser esse o resultado para o salvador. Independentemente dos
problemas entre ele e Colin, eles tinham que trabalhar juntos para se
assegurarem que Jim não estava perdido.
E se houvesse uma
hipótese de haver conversa? No meio de tudo?
Nigel estava preparado
para ser um oportunista.
***
Na sua vida antiga,
Sissy tinha visto algumas contusões de cabeça - principalmente em campos de
jogos. Ela tinha estado nas bancadas do desporto três anos antes e testemunhou
quando uma ofensiva atingiu um dos jogadores da equipa adversária de futebol
americano, fazendo-lhe saltar o capacete e ficar inconsciente. Ela nunca se
esqueceu como o público ficou silencioso e apreensivo, mal respirando até que
os paramédicos em campo estabilizassem o pobre miúdo. Ele estava tão mal que
tiveram de o levar numa maca para fora do campo sem se aperceber dos aplausos
que o público lhe fazia de pé a apoiá-lo. Mais tarde, ela leu que tiveram de o
ensinar a andar de novo.
Depois, tinha visto uma
rapariga de uma equipa de softball a ser atingida por uma bola. Um miúdo de uma
equipa de hóquei que só parou quando bateu na baliza. Um tipo numa festa, podre
de bêbedo, que decidiu que podia voar e aprendeu da pior forma que não podia.
Todos eles tinham parado num hospital.
- Não podemos chamar o
911? - Ela ouviu-se perguntar.
Jim tinha sido admitido
no hospital na última batalha, e isso não o ajudou muito, e foi quando ela
aprendeu que podia entrar na pele das pessoas. Se ela pudesse fazer isso agora?
Com ele? Ela colocar-se-ia na posição dele num piscar de olhos. Ele era
importante e necessário. Ela não era.
Principalmente, com mais
uma batalha à vista.
- É melhor esperar aqui
- afirmou Ad.
- Ele ainda respira?
- Sim, respira.
- Sim, ele está…
Houve um flash de luz,
como se alguém tivesse acendido e desligado uma lâmpada muito rápido. E depois,
de repente, haviam mais três pessoas na casa de banho: Eddie e os arcanjos.
Colin e Nigel tinham materializado no ar. Mas não tinham maletas de médico com
eles. Ou uma maca. Ou vindo numa ambulância.
Era difícil de acreditar
se isto eram boas ou más notícias.
Ambos os arcanjos
semi-cerraram os olhos para ela.
- Óptimo - disse Nigel.
- Foi tudo bem executado.
- Não se o Jim morrer -
ela murmurou, saindo do caminho para que eles pudessem fazer o que tinham vindo
para fazer.
Quando Nigel indicou
para a frente, Colin deu ao outro arcanjo um olhar desagradável, depois ele
avançou e baixou-se para perto de Jim. Inclinando-se dessa forma, ele verificou
cada ângulo da cabeça e a poça de sangue prateado que estava a ficar maior. E
depois, ignorou Jim. Levantando-se, ele inspeccionou o canto do lavatório, a
fazer barulhos de «hum-hum» que ela assumiu - bem!!!- estarem associados com a avaliação do
semi-cadáver que não respondia no chão.
Quando ela estava para
dizer alguma coisa, Ad agarra no seu cotovelo e sussurra:
- A forma como os
humanos recebem tratamento para este tipo de ferida é diferente de como temos
de lidar com Jim.
- Que queres dizer? -
Ela perguntou me voz baixa.
- Foi um acidente.
Portanto, não há vontade anexada. Não foi feito por ninguém, ele não escolheu
isto para ele e é isso que faz toda a diferença. Quando não há malícia nem
intenção, Colin pode fazer desaparecer o impacto, mas não no corpo e sim onde
ele bateu com a cabeça.
Sem fazer qualquer
contacto, Colin colocou as mãos na mancha de sangue prateado que se encontrava
no lavatório, depois moveu as palmas por cima e à volta num movimento lento e
deliberado.
No início, ela pensou
que nada estava a acontecer, mas depois houve um som subtil que estava a
aumentar.
Partir. O lavatório
estava a partir como se tivesse a ser sujeito a algum tipo de pressão ou calor,
apesar de ela não conseguir ver nada entre o que saía daquelas mãos e a
superfície do lavatório. E o padrão das teias de aranha tornou-se mais intenso
e espalhou-se mais à medida que Colin fazia o que estava a fazer.
- Oh, meu Deus. - Ela
sibilou quando olhou para Jim. - Está a dar resultado.
Como magia, o sangue no
chão de mármore estava a recuar, a poça a ficar cada vez mais pequena… até
desaparecer por baixo do cabelo dele.
Entretanto, Colin
começou a tremer, uma corrente de maldições a saírem da sua boca, os músculos
dos seus antebraços a descontraírem como se tivessem puxado uma corda. E Jim,
depois também tremia, as suas pernas e os seus braços a contorcerem, a sua
cabeça a ir para cima e para baixo numa série de convulsões.
Depois, a coisa mais
estranha aconteceu. Uma onda de energia emergiu das mãos de Colin e, de
repente, os sons de alguém a cair, a golpear a cabeça e a cair no chão foram
ouvidos ao contrário: queda desordenada de braços e pernas no lavatório; queda
aguda, impacto horrível, e depois o cair, como se alguém tivesse voado pelo ar
na frente dela.
Abruptamente, Colin cai
para o lado como se todo aquele esforço tivesse retirado todas as suas forças…
e Nigel foi quem o apanhou antes que atingisse o chão, o outro arcanjo a
colocá-lo de costas e a deitá-lo cuidadosamente no mármore.
- Está feito? - Ela
perguntou quando Nigel se afastou.
Mas ela já sabia a
resposta quando foi ter com Jim: As pálpebras dele abriram-se e respirou
profundamente, a sua boca a suspirar, os seus olhos a abrirem-se mais. E
depois, ele praticamente pulou do chão, concentrando-se na banheira.
- Sissy! - Ele gritou.
- Estou aqui! Jim?!
Estou aqui!
Jim virou a cabeça tão
rápido, que foi espantoso não ter solto o pescoço. E depois, ele congelou como
se não conseguisse perceber o que estava a ver.
- Jim, eu estou bem.
Ele agarra no rosto dela
com as mãos e beija-a. Depois acaricia-a.
- Tens a certeza? - Ele
perguntou roucamente. - Porra, diz-me que estás…
Ela sobe a camisola e mostra
a sua barriga lisa e sem marcas. Jim cedeu de alívio, e ela estendeu a mão para
se assegurar que ele não lhe caía em cima. Como resposta, ele envolve-a com
força e abraça-a.
- Acabou - disse ela. -
Acabou e estamos bem…
Enquanto ele tremia
contra ela, ela rezou a agradecer, e respirou de alívio. Ela não sabia durante
quanto tempo aquele momento de paz ia durar, mas caramba, ela ia desfrutá-lo.
Principalmente, porque ela estava finalmente sozinha na sua pele.
Capítulo 40
Enquanto Nigel se
sentava no chão duro à frente de Colin, este continuava imóvel. Embora,
normalmente ele não fosse do tipo de estar em inacção por longos períodos de
tempo, pareceu-lhe uma eternidade desde que pôde ter uma visão desimpedida do
macho, e ele ia tirar bastante proveito desta boa sorte, especialmente com os
outros já de partida e eles os dois terem sido deixados para trás.
Há muito tempo que Colin
não cedia à exaustão e, quando as suas pálpebras abriram-se lentamente, Nigel
saltou do silêncio, aproveitando o que poderia ser o único momento para dizer o
que queria.
- Lamento tanto, Colin.
Nunca te devia ter deixado daquela forma. Eu devia de ter contado os meus
medos, e ter chegado a uma solução contigo. O meu pensamento… - Ele fez um
gesto em direcção à cabeça dele - … foi errado, não culpo ninguém a não ser eu
mesmo, e não espero que me perdoes. No entanto, a explicação, é necessária.
Colin agarra-se à borda
do lavatório e eleva o seu torso. Depois esfrega a cara. Dá um profundo
suspiro. Passa a mão pelo seu cabelo escuro.
- E sim - disse Nigel -,
é injusto abordar-te assim, quando ainda recuperas. Mas como é que eu iria
conseguir dizer isto?
Colin arranjou as pernas
de modo que cruzaram nos tornozelos, e pôs as palmas das mãos nas suas coxas.
As suas mãos moveram-se para cima e para baixo lentamente.
Nigel limpou a garganta.
- Eu estou arrependido…
- A voz dele falhou. - Mais do que tu pensas. Mas ao pedir ao Jim que
desistisse de Sissy, senti que era injusto da minha parte não oferecer um
sacrifício de igual impacto nesta guerra. Um verdadeiro líder nada mais espera
dos outros do que aquilo que ele próprio pode fazer. Tu és a base do Céu para
mim. Não existia maior garantia de luta do que te deixar… e foi por isso que eu
agi sozinho. - Ele tentou alcançar a mão do outro arcanjo, mas ele sabia que
era cedo demais. - Enquanto eu estava no Purgatório, a dor de te ter perdido
tornou-se mais insuportável do que o tormento que me afligiu naquele local. Eu estava…
despojado por te ter perdido, e o que eu fiz para nos favorecer contra a Devina
foi um conforto frio, muito frio. Eu escolheria outro caminho, mas se tivesse
que fazer tudo outra vez? Eu faria…
À medida que a sua voz
se deixava de se ouvir, muitas outras palavras se entalavam na sua garganta,
revolvendo-lhe a mente, mas elas era simplesmente variações daquilo que ele
tinha acabado de dizer.
No entanto, havia a
tentação de cair no tormento, de continuar a falar, na esperança que algo
mudasse a situação em que os tinha colocado. Mas Colin detestava perder tempo,
e a justificação, mas mesmo assim, tinha sido feita. Baixando os olhos, Nigel
levanta-se para descobrir que estava desequilibrado e muito perto de desmaiar.
Especialmente, quando se virou para se ir embora da casa de banho e deparou-se
com a vastidão vazia do apartamento que Devina havia ocupado.
A estéril extensão
parecia uma metáfora tão apropriada.
- Não acredito que
percebas como foi.
Com o som da voz de
Colin, ele virou-se tão depressa que teve que abrir os braços para se
equilibrar. Com o coração a bater-lhe forte no peito, disse:
- Conta-me.
Mesmo que isso o
matasse.
À medida que ele ficava
na entrada da casa de banho, o rosto de Colin estava desenhado com linhas de
raiva.
- Eu fiquei sobre o teu
corpo. Eu chorei sobre o teu corpo. Eu paguei-te e carreguei-te para a margem
do rio e sentei-me ao pé do fogo que te consumia. Ardeu durante horas.
Nigel fechou os olhos e
pôs as mãos no rosto.
- Não - disparou Colin.
- Tu não tens permissão para fazer isso. Tu não tens permissão para te
protegeres das tuas acções. Não havia nada que eu pudesse fazer depois de tudo…
deixaste-me sozinho a lidar com isso, sem saber… maldição, sem saber o porquê
de teres feito o que fizeste. Portanto, bem que podes estar ciente neste
momento.
Nigel baixou os braços e
recusou que os seus olhos fossem para outra direcção, apesar de ter o peito tão
apertado que mal conseguia respirar.
- Eu lamento, eu lamento
tanto…
As sobrancelhas escuras
de Colin juntaram-se.
- Pensas que eu não te
conheço?
- Não, tu conheces-me
melhor do que ninguém.
- E é por isso que estou
ofendido. - Colin cruza os braços sobre o peito. - Tu pensavas… pelo amor de
Deus, Nigel. Tu pensavas que eu não sabia o que estávamos a enfrentar naquele
momento da guerra? O que enfrentavas e as escolhas que acreditavas que tinhas
de fazer? Com Jim a falhar como estava? Absorvido com o destino daquela
inocente, Sissy, e a dar as suas asas? Pensavas que eu não reconhecia tudo isso
e…
Quando Colin não
terminou, Nigel pigarreou.
- E o quê?
- Pensaste que,
independentemente do quanto me iria destruir, que eu não te teria deixado ir?
Nigel colocou o rosto
novamente nas mãos, e desta vez Colin não disse nada sobre o véu de palmas nos
seus olhos.
- Eu ter-te-ia deixado
ir - disse Colin bruscamente. - Porque era a melhor coisa a ser feita, o único
caminho que tínhamos nesta guerra maldita. Alguém precisava de ser o salvador
naquele momento, e a única forma de tirar Jim do papel… era fazer exactamente o
que fizeste.
Tudo parece tão devastador, pensou Nigel no silêncio que se seguiu. Colin praguejou.
- Eu também teria feito
o sacrifício. Mas, ou tu não confias o suficiente em mim, ou pior, quiçá, tu
realmente não me conheces assim tão bem. Eu sou um soldado, e como tal, eu não renuncio
a lógica ao pensamento. Mesmo que as emoções sejam… esmagadoras.
Nigel apercebeu-se no
momento em que o outro arcanjo se foi embora, apesar de não ter havido qualquer
movimento ou som. Em vez de seguir Colin até ao Céu, ele viu-se a cair de
joelhos no meio daquele vazio. Ele não tinha prática com arrependimentos. Ele
até então tinha vivido a sua vida imortal com deliberação e auto-controlo - e
não havia curado nenhuma pequena quantidade de superioridade por causa disso.
Agora, porém, ele
sentia-se conectado à humanidade num nível totalmente novo.
Compaixão era mais fácil
de oferecer se alguém estivesse a sofrer.
Boas Leituras!
Até à próxima...
Até à próxima...