Espero que gostem!
Boa leitura.
CAPÍTULO 1
Claire Stroughton pegou na chávena sem levantar
os olhos do rascunho do testamento que tinha redigido e que estava a rever.
— Odeio quando fazes isso.
Claire olhou para o outro lado do escritório
para a sua assistente executiva.
— Quando faço o quê?
— Essa rotina de termomíssil telecomandado à
procura do café.
— A minha chávena e eu temos uma relação muito
estreita.
Martha empurrou os óculos mais para cima do
nariz.
— Fico feliz com isso. Se não saires agora, vais
chegar tarde à reunião das cinco.
Claire levantou-se e vestiu o casaco do fato.
— Quanto tempo tenho?
— São duas e vinte e nove. Conduzir até Caldwell
levará no mínimo duas horas, ainda mais com este trânsito. O carro está à
espera na porta da frente. A videoconferência com Londres está programada para
dentro de dezasseis… quinze minutos. Que queres que eu faça antes do fim de
semana prolongado?
— Analisei os documentos da fusão da Technitron
e não me sinto nada impressionada. — Claire apresentou-lhe uma pilha de papeis suficientemente
grande para ser usada como peso de portas —. Manda-os agora por estafeta a 100
à hora. Quero ter uma reunião com o Conselho às sete da manhã de terça-feira. Diz-lhes
para virem cá. Antes de sair, falta-me alguma coisa?
— Não, mas podias-me dizer alguma coisa. Que
tipo de sádico é que marca uma reunião com o advogado às cinco da tarde de uma
sexta-feira, véspera do dia do trabalhador?
— O
cliente tem sempre razão. E a questão do sadismo está nos olhos de quem o vê. —
Claire colocou o testamento numa pasta e pegou na sua bolsa Birkin. Enquanto passava a vista pelo
espaçoso escritório, tentou concentrar-se no trabalho que tinha pensado fazer
durante o fim de semana—. Do que me estou a esquecer?
— Da pasta.
— Claro, claro. — Claire usou o que restava na chávena
para engolir o medicamento que tomava nos últimos dez dias. Enquanto deitava a
garrafa laranja no lixo, apercebeu-se de que desde domingo que não espirrava
nem tossia. Evidentemente o remédio tinha funcionado.
Malditos aviões. Eram depósitos de germes com
asas.
— Acompanha-me. — A caminho do elevador, Claire deu-lhe
mais algumas ordens acerca da organização, cumprimentando, durante todo o
caminho, alguns dos duzentos e tantos advogados e pessoal administrativo que
trabalhava na Williams, Nance & Stroughton. Martha mantinha-se ao seu lado
apesar da carga de papel que levava nos braços, mas definitivamente isso era o
que ela tinha de melhor. Sem se importunar com nada, podia-se contar sempre com
ela.
Quando
chegaram à fila dos elevadores, Claire carregou no botão para descer.
— Bem, acho que é tudo. Bom fim de semana.
— Para ti também. Descansa um bocadinho, sim?
Claire entrou no elevador de painéis de mogno.
— Não posso. Na terça-feira temos a Technitron.
Vou passar a maior parte do fim de semana por aqui.
Quatro minutos depois estava no seu Mercedes,
avançando lentamente pelo trânsito de Manhattan, tratando de sair da cidade.
Onze minutos depois, passaram-lhe a chamada de Londres.
A chamada durou cinquenta e três minutos, devido
ao tráfego era basicamente o mesmo que estar estacionada, porque a reunião
virtual não correu bem. O que era bastante comum. As fusões e as aquisições de
companhias milionárias nunca eram simples e não eram adequadas para os fracos
de coração. O pai tinha-lhe ensinado isso.
De qualquer maneira, foi um alívio desligar e
concentrar-se na condução. Caldwell, em Nova Iorque, estava só a cento e
sessenta quilómetros do centro, mas Martha tinha razão. O tráfego era uma
merda. Aparentemente, toda a gente estava a sair da Big Apple e a utilizar a mesma estrada que Claire.
Normalmente, não precisava de conduzir para ver
um cliente na sua residência, mas a menina Leeds era um caso especial por
várias razões e não era fácil para ela ir ao escritório. Tinha quantos? Já
teria feito noventa e um anos?
Cristo, talvez fosse mais ainda. O pai de Claire
tinha sido o advogado da senhora e, depois da sua morte, dois anos antes,
Claire herdou a menina Leeds juntamente com o resto do património na sociedade
familiar. Quando ocupou o lugar na mesa dos sócios, converteu-se na primeira
mulher na história da Williams, Nance & Stroughton a sentar-se no gabinete,
mas ganhou esse direito, apesar do que dissesse o testamento de Walter
Stroughton. Era uma fantástica advogada dos Advogados F&A. Superada por poucos.
A menina Leeds era a sua única cliente de bens e
investimentos e o mesmo tinha acontecido com o pai. A idosa tinha uma fortuna
próxima dos duzentos milhões de dólares, graças aos investimentos que a família
tinha em várias companhias, todas representadas pela WN&S. Estas
participações eram o coração da relação. A menina Leeds acreditava em continuar
com o que conhecia e a família tinha estado com a conta desde o início, em
1911. Assim era. E uma estrela do rock do F&A estava a fazer B&I para uma
CAI.
Ou em linguagem
humana: uma especialista em Fusões e Aquisições estava a tratar de Bens e
Investimentos para uma Candidata ao Asilo de Idosos.
Acreditem ou não, a matemática da interação era o
máximo. O testamento e os bens eram muito fáceis de administrar. Uma vez familiarizada
com eles, e em comparação com a maioria dos clientes corporativos de Claire,
era fácil lidar com a menina Leeds. Além disso, a mulher era boa para os
negócios quando se tratava do testamento. Revia os beneficiários que tinha da mesma
forma que outros faziam jardinagem, e a um preço de seiscentos e cinquenta
dólares por cada hora de Claire, as horas faturadas aumentavam. A menina Leeds
estava constantemente a rever a quantia do património destinada à caridade,
cultivando aquela secção, aparando e podando os beneficiários cada vez que mudava
de opinião. Claire tinha tratado das duas últimas modificações por telefone,
assim, quando desta vez a menina Leeds lhe pediu uma entrevista pessoal, tinha
todas as razões para lhe fazer uma rápida visita.
Se tivesse sorte seria rápida.
Claire só
tinha ido uma vez à propriedade Leeds, para se apresentar após a morte do pai.
Na reunião saiu-se bem. Evidentemente, a menina Leeds tinha visto fotografias
de Claire através do seu pai e tinha aprovado o seu porte elegante.
Isto era uma piada. Embora fosse certo que a roupa
faz o homem e a mulher, e o guarda-roupa de Claire estivesse cheio de roupas
conservadores com saias abaixo do joelho, isso era simplesmente uma garantia
superficial. Tinha a cabeça do pai para os negócios e também parte da sua
agressividade. Podia parecer uma senhora reservada até aos saltos discretos,
mas no interior era uma guerreira.
A maioria captava a sua verdadeira natureza uns
dois minutos depois de a conhecer e não era só por ser ruiva. Mas era bom que a
menina Leeds andasse enganada. Era da velha escola e portanto fazia parte de
uma geração onde as mulheres de respeito não trabalhavam em nada e muito menos
eram advogadas em
Manhattan. Francamente , Claire tinha ficado surpreendida que
a menina Leeds não tivesse ido a um dos outros sócios, mas elas davam-se bem a
maior parte das vezes. Até agora, o único inconveniente na relação ocorreu
durante o primeiro encontro cara a cara quando a mulher perguntou se Claire era
casada.
Claire definitivamente não era casada. Nunca
tinha sido, e não estava interessada em sê-lo, não obrigada. A última coisa de
que precisava era de um homem com direito a opinar a respeito de ficar até
muito tarde no escritório, ou de que trabalhava muito ou a respeito de onde
deveriam viver ou o do que teriam para jantar nessa noite. Não obstante Eliza
Leeds ser obviamente da opinião de que você-se-revela-de-acordo-com-o-tipo-de-homem-que-tem-ao-lado.
Por isso Claire preparou-se, enquanto lhe explicava que não, que não tinha
marido.
A menina Leeds pareceu desanimada, mas logo se
recompôs e passou rapidamente à pergunta se tinha noivo. A resposta foi a
mesma. Claire não tinha nem queria um, e não, também não tinha animal de
estimação. Fez-se um longo silêncio. A mulher sorriu, fez um breve comentário do
género «Meu Deus, como mudou o mundo», e ali morreu o assunto. Pelo menos até
hoje.
Cada vez que a menina Leeds ligava para o
escritório, perguntava se Claire tinha encontrado algum homem agradável. Se
tudo estava bem. Se tudo estava a seu gosto. Eram de diferentes gerações. E a
mulher aceitava os não com elegância… talvez devido ao facto de a própria nunca
se ter casado. Obviamente tinha uma veia romântica insatisfeita ou qualquer
coisa assim.
Para Claire, honestamente falando, qualquer
assunto acerca de relações a aborrecia. Não, não odiava os homens. Não, o casamento
dos pais não foi infeliz. Não, de facto, o pai tinha sido uma figura masculina
muito presente. Não houve nenhum fim de relação problemático, nenhum problema
de auto-estima, nenhuma patologia, nenhuma história de abuso. Era inteligente,
amava o trabalho e estava agradecida pela vida que tinha. Era só que todos os
assuntos de casamento eram adequados para outras pessoas. Concluindo?
Respeitava completamente as mulheres que se convertiam em esposas e mães, mas
não as invejava a ponto de assumir um casamento e filhos. E na manhã de Natal
não sentia um vazio no coração pelo facto de estar sozinha. E não precisava de jogos
de futebol nem de desenhos no frigorífico nem de presentes feitos à mão para se
sentir realizada. O Dia dos Namorados e o Dia das Mães eram simplesmente dois dias
a mais no calendário.
O que
amava era a guerra no Tribunal. As negociações. As complicadas voltas da lei. A
responsabilidade energizante de representar os interesses de uma corporação de milhares
de milhões de dólares… fosse a comprar alguém ou a despojá-lo da atividade ou a
despedir um conselheiro por ter gastos ilícitos com números de oito dígitos.
Isso era a sua força motriz, estava no auge da
carreira aos trinta e poucos anos e numa posição muito boa na vida. O único
problema que tinha era com as pessoas que não entendiam uma mulher como ela.
Era um caso típico dos dois pesos. Os homens podiam ter uma vida inteira
dedicada ao trabalho e eram vistos como bons trabalhadores, não como tias
solteironas e anti-sociais com problemas na intimidade. Porque é que as
mulheres não podiam ser vistas da mesma forma?
Quando finalmente apareceu a ponte de Caldwell,
Claire já estava pronta para a entrevista, regressar ao apartamento de Park
Avenue, e começar a preparar-se para a reunião da terça-feira com a Technitron.
Quem sabe, talvez até tivesse tempo suficiente para voltar ao escritório.
A propriedade Leeds consistia em quatro hectares
de terra trabalhada, quatro edifícios anexos e um muro que só poderia ser
escalado por pessoal treinado, de tronco forte: uma equipa de rapel. A mansão
era uma enorme pilha de rocha localizada numa elevação, um magnífico
empreendimento novo rico erguido durante o período do Renascimento Gótico de
1890. Para Claire parecia algo pelo qual Vincent Price teria pago impostos.
Seguiu pela entrada circular para automóveis,
estacionou em frente à entrada digna de uma catedral e pôs o telemóvel a
vibrar. Pegou na bolsa, aproximou-se da casa a pensar que devia levar uma cruz
numa mão e uma adaga na outra. Céus, se tivesse a fortuna dos Leeds, viveria num
lugar um bocadinho menos lúgubre. Digamos que num mausoléu.
Um dos lados da porta dupla abriu-se antes que
chegasse à aldrava com a forma de cabeça de leão. O mordomo da família Leeds,
que teria uns cento e oito anos, fez uma vénia.
— Boa tarde, menina Stroughton. Se não for incómodo
poderia dizer-me se deixou as chaves no carro.
O nome era Fletcher? Sim, era isso. E a menina
Leeds gostava que o chamassem pelo nome.
— Não, Fletcher.
— Possivelmente poderia entregar-ma? É para o
caso de precisar remover o seu carro. — Quando ela franziu o sobrolho, disse em
voz baixa— Temo que a menina Leeds não esteja muito bem. Se precisar de chamar
a ambulância…
— Lamento. Está doente, ou… —Claire deixou que a
pergunta se desvanecesse enquanto lhe entregava as chaves.
— Está muito fraca. Por favor, acompanhe-me.
Fletcher caminhava com o tipo de dignidade lenta
que se esperaria de um homem vestido com o formal uniforme de mordomo
britânico. E combinava muito bem com a decoração. A casa estava mobiliada ao
estilo das velhas famílias enriquecidas, as paredes lotadas com quadros e mais
quadros de obras de arte colecionadas durante gerações. A mistura incalculável
de pinturas e esculturas dignas de museus eram de diferentes períodos, mas
estavam todas juntas. Mas que trabalho devia ser tirar o pó daquelas coisas. Era
como cortar oito hectares de relva à tesoura… quando terminasse, tinha de
começar tudo outra vez.
Ela e Fletcher subiram as imponentes escadas em
curva para o segundo andar e seguiram pelo corredor. De ambos os lados,
pendurados nas paredes de seda vermelha, havia retratos de vários Leeds, os
pálidos rostos brilhavam sobre fundos escuros e os olhos bidimensionais perseguiam-nos.
O ar cheirava a cera de limão e a madeira antiga.
Quando chegaram ao fim do corredor, Fletcher
bateu numa porta esculpida. Quando se ouviu uma débil saudação, abriu-a
amplamente.
A menina Leeds estava reclinada numa cama do
tamanho de uma casa, parecia tão pequena como uma menina e tão frágil como uma
folha de papel. Havia rendas brancas por todo o lado, a brotar do dossel,
penduradas até o chão ao redor do colchão e a cobrir as janelas. Era uma cena
invernal completa com pedaços de gelo e bancos de neve, salvo pelo facto de que
não estar frio.
— Obrigada por vir, Claire. —A voz da menina
Leeds era frágil ao ponto de parecer um sussurro—. Desculpe-me por não poder
recebê-la apropriadamente.
— Assim está perfeitamente bem. —Claire aproximou-se
nas pontas dos pés, com medo de fazer ruído ou movimentos bruscos. — Como se
sente?
— Melhor que ontem. Talvez tenha apanhado uma
gripe.
— Ela está por todo o lado, mas alegro-me que
esteja a melhorar. — Claire pensou que não ajudaria mencionar o facto de que
ela andava a tomar antibióticos para curar-se de uma coisa parecida—. De qualquer
modo, serei rápida assim pode continuar a descansar.
— Mas deve ficar para o chá. Fica?
Fletcher interveio.
— Trago o chá?
— Por favor, Claire, acompanhe-me no chá.
Raios. Queria ir embora.
O cliente tem sempre razão. O cliente tem sempre
razão.
— Mas é óbvio.
— Bem, Fletcher, traga o chá e sirva-o quando
terminarmos com os meus documentos. —A menina Leeds sorriu e fechou os olhos. —
Claire, pode sentar-se junto a mim. Fletcher trará uma cadeira.
Fletcher não tinha cara de poder carregar nem
sequer com um banquinho, quanto mais com uma cadeira.
— Não é preciso —disse Claire—. Eu trago uma…
Sem
sequer respirar fundo, o mordomo levantou facilmente uma antiga poltrona que
tinha aspeto de pesar tanto como um Buick.
UAU! Evidentemente era um mordomo biónico.
— Ah… obrigada.
— Madame ficará bem acomodada aqui.
Sim, e talvez a madame a conduza até casa se o
carro não funcionar.
Quando Fletcher saiu, Claire pôs o traseiro no
trono e olhou para a sua cliente. Os olhos da idosa continuavam fechados.
— Menina Leeds… Tem a certeza de que não quer
que eu deixe o testamento? Pode revê-lo no seu tempo livre e eu posso regressar
para que o assine.
Fez-se um longo silêncio durante o qual se
perguntou se a mulher teria adormecido. Ou... Deus, não o permita…
— Menina Leeds?
Os lábios pálidos moveram-se apenas.
— Já tem um cavalheiro que a visite?
— Perdão… ah… não.
— Você é tão adorável, sabia? —A menina Leeds
abriu os olhos aquosos e rodou a cabeça na almofada—. Eu gostaria que
conhecesse o meu filho.
— Desculpe? — a menina Leeds tinha um filho?
— Surpreendi-a. —O sorriso que esticava a pele
magra era triste. — Sim. Sou… mãe. Tudo aconteceu há muito tempo e em segredo…
tanto o facto como o parto. Mantivemos tudo em segredo. O meu pai insistiu e
teve razão ao fazê-lo. Esse foi o motivo por que nunca me casei. Como podia?
Merda. Naquele tempo, quando tudo aconteceu, as
mulheres não tinham filhos fora do casamento. O escândalo teria sido tremendo
para uma família tão proeminente como os Leeds. E… bem, essa devia ser a razão porque
a menina Leeds nunca mencionara o filho no testamento. Deixava o grosso do
património a Fletcher porque os velhos costumes eram difíceis de esquecer.
— Você vai gostar do meu filho.
Bem, isso era absolutamente impossível. Se a
mulher tinha tido um filho por volta dos vinte anos, a esta altura o fulano
teria uns setenta. Mas, mais que isso, por mais que o cliente tivesse sempre razão,
Claire nunca se iria prostituir para conservar um cliente.
— Menina Leeds, não acredito que…
— Vai conhecê-lo. E gostará.
Claire adotou o seu tom de voz mais diplomático,
que era ultra-calmo e ultra-ponderado.
— Estou certa de que é um homem maravilhoso, mas
constituiria um conflito de interesses.
— Vocês vão-se conhecer… e gostará dele.
Antes que Claire pudesse tentar outra tática,
Fletcher voltou com um grande carrinho com prata suficiente para qualificá-lo
como exposição do Tiffany.
— Devo servi-lo agora, menina Leeds?
— Depois dos documentos, por favor. — A menina
Leeds tirou uma mão venosa, de unhas perfeitamente limadas e pintadas de rosa.
Talvez Fletcher também tivesse um diploma de um instituto de beleza —. Claire,
faz o favor de lê-los?
As modificações não eram complicadas nem a
aceitação da menina Leeds… o que fez com que sentisse que tinha viajado em vão.
Enquanto a frágil mão se enroscava em volta da Montblanc de Claire e traçava uma tremida aproximação de «Eliza
Merchant Castile Leeds» na última linha, Claire tentou não pensar nas quatro
horas de tempo de trabalho perdido nem no facto de que não suportava concordar
com as pessoas.
Claire autenticou
a assinatura, Fletcher assinou como testemunha e os documentos voltaram logo
para a pasta.
A menina Leeds tossiu um pouco.
— Obrigada por ter vindo até cá. Sei que é um
incómodo e apreciei verdadeiramente o facto.
Claire olhou para a mulher que jazia entre o mar
de espumosas rendas brancas.
Este é um leito de morte, pensou. E o Grim Reaper está perto. Batendo
impacientemente com o pé e verificando o relógio.
Era difícil não se sentir como um canalha.
Foda-se. Era uma perfeita filha da puta profissional a preocupar-se com a perda
de duas horas de trabalho quando parecia que à menina Leeds restavam tão poucas
de vida.
— Foi um prazer.
— Agora, o chá — disse a menina Leeds.
Fletcher empurrou o carrinho de metal
aproximando-o da poltrona e serviu algo que cheirava como Earl Grei numa taça de porcelana.
— Açúcar, madame? —perguntou.
— Sim, obrigada. —Odiava chá, mas o açúcar faria
com que pudesse bebê-lo. Quando Fletcher o entregou, notou que só havia uma chávena—.
Não vai tomar nada, menina Leeds?
— Nada para mim, receio. São ordens do médico.
Claire bebeu um golo.
— Que tipo de Earl Grei é este? Parece diferente dos que já provei.
— Gosta?
— Na verdade, sim.
Quando terminou o chá, a menina Leeds fechou os
olhos com uma expressão que estranhamente parecia de alívio e Fletcher levou a chávena
vazia.
— Bem, acredito que será melhor ir agora, menina
Leeds.
— O meu filho vai gostar de si —sussurrou a idosa—.
Está à sua espera.
Claire pestanejou e apelou à diplomacia.
— Temo que deva regressar à cidade. Talvez possa
conhecê-lo noutra altura?
— Ele precisa de a conhecer agora.
Claire voltou a pestanejar e no pensamento ouviu
o refrão do pai: O cliente tem sempre razão.
— Se for tão importante para si, eu poderia… — Claire
engoliu com força—. Eu, ah… eu poderia…
A menina Leeds sorriu suavemente.
— Não será tão mau para si. Ele é como o pai. Um
belo animal.
Claire esfregou os olhos. Havia duas meninas
Leeds na cama. Na verdade, havia duas camas. Então, isso fazia com que houvesse
quatro meninas Leeds? Ou oito?
A menina Leeds olhou para Claire com uma lucidez
encantadora e uma indiferença ligeiramente inquietante.
— Não tenha medo. Pode ser bastante afável se
estiver de bom humor. Não obstante, eu não tentaria fugir. De qualquer forma,
ele apanha-a.
— Que…? — Claire sentia a boca seca e esponjosa
e, quando ouviu um ruído à esquerda, foi como se o som viesse de uma distância imensa.
Fletcher tirava a bandeja de prata do carrinho
de metal e punha-a sobre uma escrivaninha. Quando voltou ao carrinho, desdobrou
um painel secreto na parte de baixo e a coisa converteu-se numa espécie de
maca.
Claire
sentiu que lhe amoleciam os ossos e a seguir paralisavam-se todas as articulações.
Quando começou a escorregar da poltrona, Fletcher levantou-a nos braços e levou-a
até ao carrinho, tão facilmente como tinha transladado a pesada poltrona.
Estava a deitá-la de costas quando lhe começou a
falhar a visão. Desesperada, tentou conservar a consciência enquanto era levava
pelo corredor para um antigo elevador de bronze e cristal. A última coisa que
viu antes de perder os sentidos foi o mordomo a carregar no botão «C» de cave.
O elevador abanou e ela afundou-se
com ele, caindo na inconsciência.Quando puder, ponho mais uma parte.
E esperem para ver/ler o que aí vem...