Boa sexta-feira e bom fim de semana.
Hoje vou falar de uma coisa que é
a menina dos meus olhos.
Podia ser mi Micas... mas essa é a musa da minha alma...
(Para quem não sabe, ando a vasculhar nas minhas estantes os livros do Grupo Leya)
E a menina é...
As Crónicas do Regicida de Patrick
Rothfuss:
- O Nome do Vento – dia Um
- O Medo do Homem Sábio – dia Dois (parte 1 e parte 2)
Esqueçam sexo e gajos babosos.
Este é um livro-livro, uma coisa espetacular no domínio da Literatura
Fantástica. É uma história só, mas como tem mais de três mil páginas, foi
dividida em vários livros para publicação.
Já ouvi gente a dizer que foi a
coisa mais horrível que leram, chamando a atenção para o facto de terem lido a
primeira página do Crepúsculo. Realmente, dizer que não se gosta de crisântemos
no jardim, porque já se viu uma erva daninha numa fotografia, é no mínimo
suspeito
.
Mas os gostos não se discutem. Ah… mas a tolice… era bichinho para discutir
e muito!
(Só mostrei a capa destes dois porque o outro está emprestado)
A uma estalagem vai ter um cronista
que tinha sido assaltado na estrada. Reconhece o dono do estabelecimento como
sendo, na verdade, Kvothe, uma lenda, e que se julgava morto. Kvothe é ainda um
homem novo, concorda contar-lhe a sua vida em três dias para que o cronista a
possa registar.
No dia um: O Nome do Vento, conhecemos a infância. Ele vem de uma família de
artistas nómadas, aprendeu música, representação e as letras com os pais e com
outros viajantes que se juntavam à caravana. Os pais são assassinados à frente
dele por algo que ele tenta descobrir, mas que, para todos os efeitos, seriam
figuras imaginárias dos contos infantis. Vai viver nas ruas e chega à
universidade sempre com o propósito de aceder à Biblioteca (vivia fascinado com
o conhecimento que se adquiria dos livros), descobrir o nome do vento e os
assassinos dos pais. (976 páginas)
No dia dois – O Medo do Homem Sábio, vemos a adolescência dele até a vida adulta.
Irá viajar por vários locais, contactar de perto com pessoas de todos os tipos:
desde cultura ao estrato social, terá a sua primeira experiência sexual nos
braços de uma fada… (1392 páginas no total)
O dia três... acho que só sai em 2015 e, provavelmente chamar-se-á As Portas de Pedra (Doors of Stone) e estou à espera dele desde 2011... Odeio ter de esperar por livros...
Claro que isto nem é resumo,
tantas são as aventuras, peripécias e sei lá mais o quê que lhe vai
acontecendo. Assistimos ao crescimento de uma lenda – uma história que é fruto
de crendices, superstições e boatos. Não é que Kvothe não fosse extraordinário,
porque isso é falso. Ele é extremamente inteligente e tem poderes naturais e
sobrenaturais dignos de se tornarem lendários... Digamos que é um Harry Potter
que sabe o que faz, que estuda, que conhece os fundamentos científicos da magia
que pratica. Aliás, a magia é, no fim de contas, um fenómeno racional visto sob
a perspetiva da ignorância.
Tratando-se de literatura
fantástica, vamos encontrar seres extraordinários, num mundo de gente
diferente, com costumes bizarros, formas de ser e falar que não são deste
mundo. Tudo foi recriado, desde sistema monetário, político, cultural até ao
religioso.
Se não bastasse a história
fabulosa, a escrita de Patrick Rothfuss é excelente. São criados momentos para
tudo: para rir, para pensar, para sensibilizar, para impressionar, para nos
enamorarmos… há inocência, há maldade, há sonho, há loucura, há morte, há
poesia…
Numa palavra: apaixonei-me por
Kvothe. E ele é ruivo. Odeio ruivos. Amo o Kvothe.
Para além dos títulos e capas
maravilhosas, o livro é apresentado com este excerto:
“Chamo-me Kvothe.
Resgatei princesas dos túmulos de
reis adormecidos, incendiei Trebon. Passei a noite com Felurian e parti com a
sanidade e com a vida. Fui expulso da Universidade na idade em que a maioria
dos alunos é admitida. Percorri caminhos ao luar que outros receiam nomear
durante o dia. Conversei com deuses, amei mulheres e compus canções que fazem
chorar os trovadores.
É possível que me conheçam.”
Alguns atiçadores de leitura e exemplos do que falo:
Prólogo
Um Silêncio em Três Partes
A noite voltara a cair. A
Estalagem Pedra de Caminho permanecia em silêncio, um silêncio em três partes.
A parte mais óbvia desse silêncio
era uma quietude oca e vazia, gerada por coisas em falta. Se houvesse vento,
teria suspirado por entre as árvores, fazendo chiar nos seus ganchos a placa
com o nome da estalagem e varrendo o silêncio pela estrada fora como fazia às
folhas caídas no Outono. Se houvesse uma multidão, ou mesmo um punhado de
homens no interior, teriam preenchido o silêncio com conversa e riso, com o
clamor e os ruídos que se esperariam de uma taberna durante as horas mais
escuras da noite. Se houvesse música… mas não, claro que não havia música. Não
havia, aliás, nada disto e, assim, o silêncio permanecia.
(…)
Tinha o cabelo de um vermelho
vivo, vermelho de fogo. Os olhos eram escuros e distantes, e movia-se com a
certeza subtil de quem sabe demasiado.
A Pedra de Caminho pertencia-lhe,
tal como o terceiro silêncio. Era adequado, por ser o maior silêncio dos três,
ao conter os outros no seu interior. Era profundo e amplo como o fim do Outono.
Era pesado como uma grande rocha polida pelo fluir de um rio. Era o som
paciente e resignado de um homem que aguarda a morte.
[A
diferença entre palavra e nome]
"- De que
cor é a camisa daquele rapaz?
- Azul.
- Azul como?
Descreve o conceito.
Esforcei-me
por um momento e desisti.
- Então azul é
um nome?
- É uma
palavra. As palavras são sombras pálidas de nomes esquecidos. Possuem poder,
tal como os nomes. As palavras conseguem atear chamas nas mentes dos homens.
Conseguem extrair lágrimas ao coração mais duro. Existem sete palavras que
farão alguém amar-te. Existem dez palavras capazes de quebrar a vontade de um
homem forte. Mas uma palavra não passa de uma representação de um fogo. Um nome
é o próprio fogo. (...) Usar palavras para falar de palavras é como usar um
lápis para desenhar um lápis no próprio lápis. Impossível. Confuso. Frustrante.
[Segredos do coração e segredos da boca]
(...) Teccam
explica que existem dois tipos de segredos. Os segredos da boca e os segredos
do coração.
A maior parte
dos segredos será da boca. Mexericos partilhados e pequenos escândalos ouvidos
em sussurro. Estes segredos anseiam pela libertação no mundo. Um segredo na
boca é como uma pedra na bota. Primeiro, mal se dá pela sua presença. Depois,
torna-se irritante e, logo a seguir, intolerável. Os segredos da boca crescem
com o tempo que os guardamos, inchando até pressionarem os lábios. Lutam pela
liberdade.
Os segredos do
coração são diferentes. São privados e dolorosos e queremos escondê-los do
mundo. Não crescem nem forçam a sua libertação. Vivem no coração e, quanto mais
os guardamos, mais pesados se tornam.
Teccam afirma
que é melhor ter a boca cheia de veneno do que ter um segredo do coração.
[O amor verdadeiro é o insensato]
Sim. Tinha
defeitos, mas que importará isso para o coração? Amamos o que amamos. A razão
não se intromete. De muitas formas, o amor menos sensato será o mais
verdadeiro. Qualquer um conseguirá amar uma coisa "porque". É tão
fácil como guardar um tostão no bolso. Mas amar alguma coisa "apesar
de", conhecer os defeitos e amá-los também, é algo raro e perfeito.
Beijos bons
Leyam livros.