Olá pessoal!
Gostaram da revisão do primeiro capítulo, hoje vamos saltar 3 e passar para o quarto. Sim, mesmo que quisesse pôr os outros, para além das questões de direitos de autor, eu não tenho acesso a eles! :P
Vamos aos avisos habituais que a NightShade deixou!
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Aviso
O blog informa que a tradução deste livro é feita por fãs para fãs, não vamos publicar o livro na íntegra, só alguns capítulos com o objectivo de oferecer aos leitores algum acesso ao enredo desta obra para motivar à compra do livro físico ou e-book.
A tradução é feita somente em livros sem previsão de lançamento em Portugal, para preservar os direitos de autor e contratuais, no momento em que uma data seja estabelecida por qualquer editora portuguesa na publicação deste livro, os capítulos traduzidos serão imediatamente retirados do blog.
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Capítulo 4
Na noite seguinte, Paradise entrou no autocarro escolar.
Por assim dizer.
Na realidade, havia dois autocarros, cada um com aproximadamente trinta pessoas, e
quaisquer semelhanças entre eles e o autocarro amarelo dos mini-humanos era pura
coincidência. Os veículos que a Irmandade usavam para apanhar os candidatos para o
programa de treino pareciam sair do filme Ataque ao Poder, todos negros por dentro e
por fora, com vidros escuros e grossos nas janelas, certamente à prova de balas, pneus
como as máquinas de limpa-neves e pára-choques que faziam lembrar os dinossauros T-
Rex.
Como todos os outros, ela desmaterializou-se para um espaço de terreno vazio a
oeste dos subúrbios de Caldwell. O pai dela queria acompanhá-la, mas era importante
para ela continuar como tinha começado. Aquela era a sua decisão independente.
Precisava de fazer o que todos os outros faziam. E ela tinha a certeza que ninguém iria
levar um acompanhante.
Ainda por cima um acompanhante que era o Primeiro Conselheiro do Rei.
Ver quase sessenta pessoas que não conhecia foi uma surpresa. Em retrospectiva, a
candidatura dizia claramente que qualquer um podia se inscrever, portanto, os civis
eram muitos e o rácio machos/fêmeas devia ser dez para um.
Mas pelo menos o seu sexo era permitido. Era óbvio que o Rei estava mesmo a fazer
um esforço para alterar as regras e algumas tradições.
Voltando a concentrar-se, Paradise mexeu-se no seu banco para garantir que o seu
cotovelo não importunava o macho que estava sentado ao lado dela. Fora a troca de
nomes; o nome dele era Axe, não disseram mais nada, e o muito bem-parecido calado e
taciturno combinava na perfeição com o seu visual: o macho tinha «assassino» escrito
por todo o lado, com o seu cabelo negro espetado, todos aqueles piercings negros de um
lado do rosto e a tatuagem de algo maligno que lhe subia até metade do pescoço.
Se o seu pai imaginasse que ela estava sentada ao lado de um macho assim? Teriam
que colocar Abalone em suporte de vida, pois dar-lhe-ia uma coisinha má.
E era exactamente por esse motivo que desejou entrar no programa. Estava na hora
de se desligar das restrições impostas devido à sua posição, e dar um final à vida de flor
de estufa. Se trabalhar para o Rei lhe ensinara alguma coisa, foi que não importava qual
era o status social, pois a tragédia não descriminava, a justiça era para todos e ninguém
saía desta vida vivo.
- Então, vais mesmo dar seguimento a isto?
Paradise olhou para o vidro escurecido da janela ao seu lado. Reflectido na sua
superfície espelhada estava o princeps Peyton, primogénito de Peythone. Estava
exactamente como ela se lembrava: belo de uma maneira clássica, com aqueles olhos
azuis intensos e os espessos cabelos loiros escovados para trás da testa. Estava a usar
óculos de sol sem aros e com lentes cor de safira que eram a sua marca registada para
esconder o facto de que, provavelmente, estava mocado. E as suas roupas eram caras e
feitas à medida para realçar o corpo musculado dele. Com uma voz aristocrática e
áspera, e um cérebro, que de algum modo, conseguia equilibrar todo aquele canábis, ele
era considerado como um dos solteiros mais cobiçados da glymera, uma mistura de
Gatsby e Jack Sparrow.
Ao inspirar profundamente, ela cheirou o perfume da colónia dele e um vestígio a
tabaco.
- Como estás, Peyton? - Murmurou.
- Saberias se atendesses a merda do telemóvel.
Paradise revirou os olhos. Mesmo sendo só um amigo, o sacana era completamente
irresistível para as fêmeas. E um dos problemas dele, entre tantos outros, era o facto de
ele saber precisamente isso.
- Oláááá? - Ele chamou-a.
Paradise virou-se de frente para ele.
- Não tenho muito para te dizer. Afinal de contas, reduziste-me a um par de ovários
para reprodução, o que não me deveria surpreender muito. Pois não tenho muito mais
para oferecer, certo?
- Podes dar-nos licença? - Ele pediu para o macho sentado ao lado dela.
- Na boa. - Axe, o durão, saiu dali como se estivesse a fugir de uma bomba de mau
cheiro. Ou de uma fêmea estridente com um vestido rosa repleto com laçarotes e
fitinhas.
Peyton sentou-se.
- Já pedi desculpa. Pelo menos para o teu telemóvel. O que queres que eu faça mais?
Ela abanou a cabeça, a pensar no primeiro ano após os ataques. Tantos da sua espécie
que foram mortos pela Sociedade dos Minguantes durante aquele ataque horrível à raça,
e os que foram afortunados o suficiente para escaparem com vida abandonaram
Caldwell, refugiando-se para as suas casas fora da cidade, fora do Estado, fora de Nova
Inglaterra.
Peyton tinha ido para sul com a sua família. Ela fora para oeste com o pai. E os dois
passaram dias incontáveis sem dormir, a conversar pelo telefone, só para permanecerem
sãos e processarem o medo, a tristeza, o horror, as perdas. Durante esse tempo, ele
tornara-se alguém com quem ela não conversava apenas uma vez à noite, mas durante
as infinitas vinte e quatro horas dos ciclos dos dias, das semanas, dos meses.
Ele tornara-se a sua família.
Óbvio, se a época fosse remotamente normal, eles não se teriam aproximado daquela
maneira, ainda mais se o contacto tivesse sido pessoal. Como fêmea solteira de uma das
Famílias Fundadoras, ela não teria permissão para confraternizar de forma livre com
qualquer macho descomprometido sem uma acompanhante.
- Sabes aquelas horas que passámos ao telefone? - Perguntou ela.
- Sim.
- Senti como se fosses alguém com quem podia contar. Que não me julgava quando
eu estava com medo, ou fraca, ou nervosa. Eras uma voz do outro lado da linha que
mantinha a minha sanidade. Às vezes, tu eras a única razão que me fazia aguentar até ao
cair da noite. - Abanou a cabeça. - E depois, isto aconteceu e vieste para cima de mim
com toda aquela treta da glymera…
- Não, espera um pouco…
- Fizeste isso. Sim… Fizeste pouco de mim e disseste que não seria capaz. - Tapou a
boca dele com uma mão para silenciá-lo. - Pára de falar, okay? Deixa-me desabafar tudo
o que tenho para dizer. Tu até podes ter razão: pode ser que não consiga entrar no
programa. É certo que me posso estatelar de cu bem assente no chão, mas tenho todo o
direito de estar aqui neste autocarro, e ter a mesma oportunidade que todos os outros. E
logo tu, que sempre gozaste das fêmeas idiotas que a tua família tentou impingir-te, que
sempre me disse que os festivais eram estúpidos, que rejeitou as expectativas que o teu
pai tinha em relação a ti e aos negócios… Tu eras a última pessoa que eu alguma vez
pensaria que me iria atacar com essas regras antiquadas.
Ele recostou-se e fitou-a por detrás das lentes azuladas.
- Já acabaste? Já está o sermão dado?
- Só para te informar, seres engraçadinho agora não te vai ajudar em nada.
- Só quero saber se vais deixar de lado essa merda feminista e ouvires a verdade.
- Estás a gozar comigo?
- Não me deste sequer uma hipótese de me explicar. Estás demasiado ocupada a
encher o meu lado da conversa com as merdas de queimar sutiãs. Para quê dares-te ao
trabalho de permitir que a outra pessoa participe na conversa se estás sozinha na
diversão, a seres preconceituosa e teres atitude de superioridade? Nunca pensei que
fosses assim.
Bem-vinda a um mundo paralelo, pensou Paradise.
Antes que se conseguisse conter, ela rematou:
- E eu aqui a pensar que eras apenas um viciado. Não sabia que também eras
misógino.
Peyton abanou a cabeça e levantou-se.
- Queres saber, Parry? Temos mesmo que nos afastar por uns tempos.
- Concordo plenamente.
Com a sua enorme altura, ele baixou o olhar para ela.
- Que grande idiota pensar que precisarias de um amigo aqui.
- Alguém que deseja que falhes não é teu amigo.
- Eu nunca disse isso. Nem uma única vez.
Quando ele se virou, Paradise quase lhe gritou, mas deixou-o afastar-se. Não que
uma conversa os fosse levar a algum lado. E depois, o que aconteceu? Praticamente,
todos os candidatos estavam a olhar para eles.
Caramba, as coisas começaram mesmo com o pé direito.
***
Uma hora depois do pôr-do-sol, Marissa desmaterializou-se numa área florestal do
outro lado do rio Hudson. O vento frio que soprava entre os pinheiros fê-la estremecer, e
ela fechou o casaco de lã Burberry, bem junto ao corpo. Respirando fundo, as suas
narinas fizeram um som agudo com a falta de humidade e do ar incrivelmente limpo do
anticiclone que soprava vindo do norte.
Olhando em redor, pensou que havia algo fundamentalmente fúnebre no mês de
Novembro. As folhas coloridas do Outono estavam caídas no chão e ressequidas, a relva
e a vegetação rasteira estavam murchas e acinzentadas, e os alegres e nada convidativos
flocos de neve ainda tinham que cair para criarem um manto branco.
Era a transição medíocre entre uma versão fabulosa e a seguinte.
Aquilo não era nada mais do que frio e vazio.
Ao girar em volta, a sua visão atenta fixou-se numa estrutura de cimento que não era
nada atractiva, uns cinquenta metros mais à frente. Apenas um piso térreo, sem janelas e
com uma porta azul-escura. Parecia algo que a câmara de Caldwell contruíra com o
objectivo de fazer tratamento de águas e que depois a abandonara.
Ao dar um passo em frente, um galho partiu-se sob o seu pé com um ruído, e ela
deteve-se, virando-se para trás para se certificar de que não havia ninguém atrás dela.
Bolas, devia ter dito a Butch para onde ia. Porém, ele estava tão ocupado a preparar-se
para a orientação dos futuros recrutas que ela não quis incomodá-lo.
Tudo bem, disse a si mesma. Haveria sempre a Última Refeição.
Depois falaria com ele.
Diminuindo a distância até à porta, as suas palmas começaram a suar dentro das
luvas, o seu peito ficou tão apertado que parecia que estava a usar um corpete.
Deus, há quanto tempo é que não vestia um desses?
Enquanto tentava calcular, pensou no tempo antes de conhecer Butch. Tivera todo o
status, mas não numa posição que alguém da glymera pudesse desejar. Na qualidade de
noiva prometida e não reclamada de Wrath, filho de Wrath, não passava de um fruto
proibido, uma bela maldição, lastimada e evitada nos eventos festivos da aristocracia.
Contudo, o seu irmão sempre cuidara dela, uma fonte de conforto, na maior parte do
tempo silenciosa, mas mesmo assim leal. Ela odiara o facto de Wrath tê-la sempre
ignorado a não ser quando precisava de se alimentar e, no fim, esse ódio levara o seu
irmão a tentar matar o Rei.
Como se constatou mais tarde, aquele seria apenas um dos vários atentados à vida de
Wrath.
Ela arrastara-se e sofrera com a sua infeliz existência, sem esperar mais nada,
meramente a desejar poder viver a sua própria vida… até que, numa noite, ela conheceu
Butch na antiga casa de Darius. O seu destino mudara para sempre ao ver o então
humano parado numa sala de estar, o destino a dar-lhe o amor que ela sempre procurara,
mas que jamais tivera. No entanto, houve repercussões. Talvez como parte do equilíbrio
ditado pela Virgem Escrivã, todo esse bem viera com um grande custo: o seu irmão
acabou por expulsá-la de casa e da sua vida a escassos momentos da alvorada.
Que era o que acontecia quando a filha de uma das Famílias Fundadoras namorava
com um simples humano.
No fim, revelou-se que havia muito mais em Butch, claro, mas o seu irmão não ficara
por perto tempo o suficiente para saber disso. E Marissa não se importava. Teria
assumido o seu macho de qualquer forma que ele se apresentasse.
A não ser daquela vez que se encontrara com Havers numa reunião do Conselho, ela
nunca mais vira o irmão desde essa altura.
Isto é, até à noite anterior.
O engraçado é que não desperdiçara mais tempo a pensar no que tivera um dia, onde
estivera, como vivera. Distanciara-se de tudo o que tinha acontecido antes do seu
companheiro, vivendo apenas no presente e no futuro.
Agora, porém, ao passar pela soleira da nova clínica de topo de gama do irmão,
percebeu que aquela ruptura definitiva não passara de uma ilusão. Só porque seguiu em
frente não significava que se tenha despido da sua história pessoal como se trocasse de
roupa.
O passado de alguém é como a própria pele: permanece connosco para sempre, por
toda a vida, tanto nas marcas proverbiais da beleza… como nas cicatrizes.
No caso de Marissa, basicamente as cicatrizes.
Muito bem, onde estava a campainha? A recepção? Na noite anterior haviam
chegado numa ambulância, entrando por uma entrada diferente… Mas Havers dissera-
lhe para ir por ali quando se materializasse.
- Veio consultar algum médico? - Uma voz feminina perguntou por um
intercomunicador.
Sobressaltada, afastou os cabelos e tentou encontrar a câmara de segurança.
- Na verdade… não tenho hora marcada. Vim ver…
- Não há problema, querida. Entre.
Houve um som metálico, uma barra surgiu na superfície da porta. Empurrando-a, ela
entrou num espaço aberto de seis metros de largura e seis metros de comprimento. Com
luzes embutidas no tecto e paredes de cimento pintadas de branco. Parecia a cela de uma
prisão.
Olhando à sua volta, perguntou-se…
O feixe vermelho de laser era largo como a palma da mão dela, mas tinha a espessura
de um fio de cabelo, no máximo, e ela só notou por causa do calor, e não porque a sua
visão se tivesse apercebido do laser. Percorrendo-a dos pés à cabeça com lentidão, ele
surgia de um canto à direita através de um globo escuro fixado no tecto.
- Por favor, siga em frente. - A voz feminina disse por outro intercomunicador
escondido.
Antes que Marissa pudesse levantar a questão de não ir para lugar nenhum, a parede
diante dela separou-se ao meio e deslizou para os lados, desaparecendo para revelar um
elevador que se abriu silenciosamente.
- Que chique - disse ela baixinho ao entrar.
O trajecto durou mais do que o esperado e o elevador parecia estar a descer, por isso,
ela concluiu que não seria exagero chamar à construção de subterrânea.
Quando o elevador parou finalmente, a porta abriu-se e…
Tarefas e mais tarefas, pensou ela ao sair.
Parecia haver pessoas por todo o lado, movimentando-se de forma apressada,
vestiam batas brancas e uniformes de enfermeiro. À esquerda estavam pessoas sentadas
em cadeiras à volta de uma televisão de ecrã plano e à direita estava a recepção, Marissa
dirigiu-se para lá.
- Olá. Tem hora marcada?
Levou um momento para perceber que uma fêmea de uniforme, sentada atrás do
balcão, falava com ela.
- Ah! Não, desculpe, não. - Aproximou-se e baixou a voz. - Sou a tuhtora designada
de uma fêmea que foi transferida do Sítio Seguro na noite passada. Vim ver como ela
está.
Imediatamente, a recepcionista ficou paralisada. De seguida, os seus olhos
percorreram Marissa de alto a baixo, tal como o feixe de laser no piso térreo.
Marissa sabia muito bem o que se passava na mente daquela fêmea: a noiva não
reclamada de Wrath, hoje acasalada com o Dhestruidor e, ainda por cima, a irmã de
Havers, agora afastada.
- Pode avisar o meu irmão que estou aqui?
- Já estou ciente disso - disse Havers atrás dela. - Eu vi-te na câmara de segurança.
Marissa fechou os olhos por um breve instante. E depois, virou-se para ele,
encarando-o.
- Como está a paciente?
Ele fez uma vénia curta. O que foi uma surpresa.
- Não muito bem… por favor, por aqui.
Enquanto ela seguia a bata branca dele, em direcção a umas pesadas portas duplas
fechadas, tinha consciência dos muitos pares de olhos que estavam sobre eles.
Encontros familiares eram divertidos. Ainda mais em público.
Depois de Havers passar com o seu cartão magnético, as portas metálicas abriram-se
e revelaram um espaço médico sofisticado, digno da imaginação de Shonda Rhimes:
quartos hospitalares repletos com equipamentos médicos estavam agrupados à volta de
um espaço administrativo central com enfermeiras, computadores e vários tipos de
suportes, enquanto três corredores seguiam em direcções diferentes para o que ela
deduziu serem unidades especializadas de tratamento.
E o seu irmão administrava aquilo tudo sozinho.
Se Marissa não soubesse daquilo que o seu irmão era capaz, teria ficado maravilhada
com ele.
- Isto é uma instalação e tanto - observou ao seguirem em frente.
- O projecto levou um ano, a construção mais do que isso. - Ele pigarreou. - O Rei
tem sido muito generoso.
Marissa olhou para ele com surpresa.
- Wrath? - Como se houvesse outro monarca! - Quero dizer…
- Eu presto serviços essenciais à raça.
Foi poupada de ter de fazer mais conversa quando ele parou à frente de uma unidade
envidraçada que tinha as cortinas fechadas do lado de dentro.
- Precisas de te preparar para isto.
Marissa olhou fixamente para o irmão.
- Até parece que nunca testemunhei um acto de violência antes…
A ideia de que ele desejasse protegê-la de qualquer coisa naquela altura do
campeonato era ofensiva.
Havers inclinou a cabeça, desconfortável.
- Sim, claro.
Com um movimento, ele abriu a porta de vidro e afastou as cortinas verdes claras.
O coração de Marissa ficou gelado, e ela teve de lutar contra uma certa hesitação.
Tantos tubos ligados a máquinas que entravam e saíam da fêmea, aquilo fazia lembrar
uma cena de um filme de ficção científica, aquela vida presa por um fio a ser
comandada por funções mecânicas.
- Ela está a respirar sem auxílio. - Havers informou quando se inclinou para verificar
a leitura de alguma coisa. - Retirámos o tubo da sua traqueia umas cinco horas atrás.
Marissa recompôs-se e forçou os pés a mexerem-se até à cama. Havers estivera certo
ao tentar avisá-la… Mas o que é que ela estava à espera de ver? Vira os ferimentos
pessoalmente.
- Alguém… - Marissa concentrou-se no rosto brutalizado. Os hematomas haviam
descolorido o rosto ainda mais, grandes faixas de roxo e vermelho a marcar as faces
inchadas, os olhos, o maxilar. - Algum familiar… veio procurá-la?
- Não. E ela não tem ficado consciente o suficiente para nos dizer o seu nome.
Marissa aproximou-se da cabeceira da cama. Os bips e os sussurros suaves do
equipamento pareciam altos demais, e a sua visão estava nítida demais quando olhou
para o saco do soro a pingar constantemente, e a forma como os cabelos castanhos da
fêmea estavam emaranhados sobre a almofada branca, e a textura da manta azul sobre
os lençóis.
Gaze e pensos por toda o lado, pensou ela. E isso apenas nos braços e ombros
expostos.
A mão pálida e magra estava apoiada ao lado da anca, e Marissa estendeu a sua para
segurá-la. Fria demais, pensou. A pele estava fria demais e não tinha a coloração
correcta: estava branca acinzentada, em vez do tom natural.
- Está a acordar?
Marissa ficou confusa com o comentário do irmão, mas logo apercebeu-se que os
olhos da fêmea tremiam, as pálpebras inchadas a abrir e a fechar.
Inclinando-se na direcção dela, Marissa disse:
- Tu estás bem. Estás na clínica do meu ir… na clínica da raça. Estás segura aqui.
Um gemido sofrido fê-la retrair-se. E depois, houve uma série de murmúrios.
- O quê? - Marissa perguntou. - O que estás a tentar dizer-me?
As sílabas foram repetidas com pausas nas mesmas partes, e Marissa tentou
compreender o padrão, desvendar a série de palavras, perceber o seu significado.
- Repete mais uma vez…
De repente, os bips aceleraram como um alarme, e Havers afastou a cortina e
escancarou a porta, gritando para o corredor.
- O que foi? - Marissa perguntou, debruçando-se mais para a cama. - O que é que
estás a dizer?
Enfermeiras entraram apressadas, e logo de seguida alguém entrou com um carrinho
de choque. Quando alguém tentou colocar-se entre ela e a paciente, Marissa sentiu
vontade de lhes dizer que parassem, mas logo a agitação do quarto prevaleceu.
A conexão entre Marissa e a paciente foi interrompida, as mãos das duas afastaram-
se, mas mesmo assim os olhos da fêmea permaneceram fixos nos de Marissa, mesmo
quando mais pessoas e equipamentos ficaram entre elas.
- A começar as compressões - Havers disse quando uma enfermeira subiu para a
cama. - Carregar o desfibrilador.
Marissa recuou um pouco mais, mas mantendo sempre o contacto visual.
- Eu vou encontrá-lo - ouviu-se dizer no meio da confusão. - Eu prometo…
- Todos para trás - Havers ordenou. Quando a equipa se afastou, ele levou as placas e
a caixa torácica da fêmea arqueou-se.
O coração de Marissa batia com força, como se tentasse compensar o que
enfraquecia naquela cama.
- Vou encontrar quem te fez isto! - Ela exclamou. - Fica connosco! Não desistes! Fica
connosco!
- Sem pulsação - Havers anunciou. - Vamos repetir. Afastem-se!
- Não! - Marissa gritou quando os olhos da fêmea se reviraram. - Não…!
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Digam-me de vossa justiça! Já agora aviso que esta publicação foi agendada, e que verei as respostas assim que possível!
Fiquem bem,
Sunshine ;)