A HISTÓRIA DO FILHO - Parte 2


Ora cá estou eu outra vez!

E muito entusiasmada com a publicação de ontem... A minha chefe linda é um espetáculo! (É favor não se esquecer do morceguinho pequenino) Vou começar a escrever odes e poemas épicos dedicados a ela! (A menos que me mande os ficheiros que tem escondidos... porque aí só escrevo os poemas depooooooooois de fiscalizar o conteúdo dos ditos e se não me der crises de falta de ar....) De qualquer modo, agradeço em nome da minha pessoa amorcegada.

E cá vai a continuação....


CAPÍTULO 2


 Claire virou-se na cama, sentiu veludo por baixo das mãos e suave algodão egípcio no rosto. Virou a cabeça de um lado para o outro na almofada suave, apercebendo-se do latejar nas têmporas e de que sentia náuseas.
Que sonho tão estranho… a menina Leeds e o mordomo. O chá. O carrinho. O elevador.
Deus, doía-lhe a cabeça, mas de onde vinha aquele cheiro maravilhoso? Especiarias… como um perfume delicado de homem, mas um que nunca tinha cheirado. Enquanto inspirava profundamente, o corpo aqueceu em resposta e percorreu a superfície de veludo com a palma da mão. Sentia-o como se fosse pele…
Espera aí. Não tinha nada de veludo na cama.
Abriu os olhos… e ficou a olhar fixamente para uma vela. Que estava em cima de uma mesinha de cabeceira que não era a dela.
O pânico rugiu-lhe no peito, mas a letargia prevalecia no corpo. Lutou para levantar a cabeça, e quando finalmente conseguiu, tinha a visão turva. De facto não era como se isso fosse importante. Não conseguia ver para além do superficial fio de luz que caía sobre a cama.
Uma vasta e espessa escuridão rodeava-a.
Ouviu um som misterioso de qualquer coisa a ser arrastada. Metal contra metal. Movia-se à volta. Aproximando-se dela.
Olhou para a direção do ruído, abriu a boca, um grito a formar-se no pensamento só para ficar preso no fundo da garganta.
Estava um enorme vulto negro ao pé da cama. Um enorme… homem.
O terror fez com que se ensopasse em suor e o choque de adrenalina clareou-lhe a mente. Esticou-se à procura de alguma coisa que pudesse usar como arma. A vela, com o pesado candelabro de prata, era a única. Tentou alcançá-la…
Uma mão agarrou-lhe os braços.




 Estupidamente, tentou lutar, enrolou a colcha de veludo aos pés, torceu o corpo. Não fez diferença. O domínio parecia de ferro.
Mas não a magoava.
Uma voz atravessou a densa escuridão.
— Por favor… não irei fazer-lhe mal.
As palavras foram ditas com um longo suspiro de tristeza, e durante um momento, Claire deixou de lutar. Tanta dor. Tanta solidão. Que voz masculina tão bonita.
Acorda, Claire! Que diabos estás a fazer? A simpatizar com o gajo que te estava a prender?
Usando os dentes, tentou chegar-lhe ao polegar, pronta para mordê-lo e soltar-se para depois usar o joelho onde mais lhe havia de doer. Não teve hipótese. Com um suave impulso, foi virada e estendida sobre o estômago e os braços foram cuidadosamente presos nas costas. Virou a cabeça para o lado para poder respirar e mexeu-se para tentar libertar-se.
 O homem não lhe fez mal. Não a tocou de forma inapropriada. Só a segurou delicadamente enquanto ela lutava, e quando finalmente ficou exausta, soltou-a imediatamente. Enquanto ofegava, ouviu o som de correntes a arrastar-se na escuridão à esquerda.
Quando os pulmões deixaram de bombear o ar com força, rosnou:
— Não me podem prender aqui.
Silêncio. Não se ouvia sequer uma respiração.
— Têm de me deixar sair daqui.
Onde diabos estava? Merda… o sonho com o Fletcher tinha sido realidade. Portanto, devia estar nalgum sítio da propriedade Leeds.
— Vai haver gente à minha procura.
Mentira. Era fim de semana prolongado e a maioria dos advogados do escritório foram passar o dia do trabalhor às casas de praia. Se não fosse ao escritório como tinha planeado fazer, não haveria ninguém que sentisse a sua falta. E se os colegas tentassem entrar em contacto com ela, davam de caras com o atendedor de chamadas e provavelmente pensariam que finalmente ela conseguiu arranjar uma vida e que tinha aproveitado um pouco do tempo livre para descansar no feriado.
— Onde estás? — Perguntou, a voz a ecoar. Como não obteve resposta perguntou-se se não a teriam deixado sozinha.
Estendeu a mão para pegar na vela e usou o fraco brilho para examinar os arredores. A parede atrás da cabeceira de madeira lavrada era da mesma pedra cinzenta e pálida que cobria a frente da mansão dos Leeds, por isso sabia onde estava. A cama onde se encontrava estava coberta de veludo azul-marinho e era alta. Ela vestia uma camisa branca e roupa interior.
Foi tudo o que conseguiu averiguar.
Ao deslizar pela borda do colchão, as pernas falharam, e quando os joelhos cederam, caiu. A cera espalhou-se pela mão, queimou-lhe a pele, e magoou o tornozelo contra o chão de pedra. Conteve a respiração e impulsionou-se para cima agarrando a colcha.
Estava mal da cabeça, doía e estava confusa. Sentia o estômago como se estivesse cheio de tinta plástica e chatice. O pânico piorava esses lindos problemazinhos.
Estendeu a mão mantendo a vela o mais afastada possível e arrastou-se para a frente. Quando bateu numa coisa, gritou e deu um salto para trás… até que viu que era uma pintura vertical irregular.
Livros. Eram livros com capas de couro.
Levantou a vela novamente e avançou para a esquerda, tacteando com a palma da mão. Mais livros. Mais… livros. Havia livros por toda a parte, organizados por autor. Estava na secção de Dickens, e a julgar pelas incrustações douradas das lombadas, os desgraçados pareciam ser primeiras edições.
Não tinham pó, como se fossem limpos regularmente. Ou lidos.
Alguns metros mais à frente, deparou-se com uma porta. Subindo e baixando a vela, tentou encontrar uma fechadura ou um trinco, mas não havia sinal deles na madeira antiga exceto dobradiças de ferro negro. No chão, à direita, havia uma coisa do tamanho de uma cesta de pão, mas não conseguia adivinhar do que se tratava.
Endireitou-se e esmurrou a porta.
— Menina Leeds! Fletcher! — Continuou a gritar durante algum tempo e lançou um forte e longo grito, à espera de alarmar alguém. Ninguém acudiu.
O medo deu lugar à fúria e à agressividade.
Atemorizada mas ao mesmo tempo farta daquilo, continuou a avaliar o caminho em volta. Livros. Só livros. Do chão até ao teto, de uma parede à outra. Livros, livros, livros…
Claire parou e subitamente sentiu-se aliviada.
— Isto é um sonho. Isto tudo é só um sonho.
Respirou fundo…
— De certa forma, sim. — A profunda e ressonante voz masculina fez com que girasse sobre si mesma, e batesse com as costas nas prateleiras.
Não demonstres medo, pensou. Quando enfrentares um inimigo, não demonstres medo.
— Deixa-me sair desta merda. Agora mesmo.
— Dentro de três dias.
— Como?
— Permanecerá aqui comigo durante três dias. Depois a minha mãe libertar-te-á.
— Mãe…? — Este era o filho da menina Leeds!
Claire abanou a cabeça, parte da conversa que tinha tido com a mulher passava-lhe pela mente sem fazer nenhum sentido.
— Isto é uma detenção ilegal…
— E após os três dias, não se recordará de nada. Nem onde esteve, nem o tempo que passou aqui. Nem de mim. Nada perdurará desta experiência.
Deus… a voz era hipnótica. Tão triste. Tão suave e tão grave…
As correntes arrastaram-se pelo chão, o som tornando-se mais alto, a recordar-lhe que o devia temer.
— Não te aproximes de mim.
— Lamento. Não posso aguardar.
Correu para trás à procura da porta e bateu na madeira, os movimentos instáveis e frenéticos atiravam cera por todo o lado. Quando a chama da vela se extinguiu, atirou o candelabro de prata contra a parede e quando o ouviu cair ao chão, bateu com os punhos contra os sólidos painéis.
As correntes aproximaram-se; ele agarrou-a. Aterrada até à loucura, Claire arranhou a porta e as unhas deixaram grossos arranhões.
Duas mãos cobriram as dela, detendo-a. Ó meu Deus, estava em cima ela. Atrás dela.
— Deixa-me sair!
— Não irei fazer-lhe mal —Disse suavemente, docemente—. Não irei fazer-lhe mal… — Continuou, palavra após palavra até que ela caiu numa espécie de transe.
Quando um aroma lhe preencheu o nariz sentiu que lhe fazia cócegas pelo corpo. Ele era a fonte do enigmático e picante aroma, a deliciosa fragrância que encerrava a masculinidade, a riqueza e a sensualidade. O interior do corpo agitou-se, esticou-se, humedeceu-se…
Horrorizada com a reação, tratou de separar-se com um encontrão.
— Não me toques.
— Fique imóvel. — A voz junto ao ouvido—. Não tirarei muito nesta primeira vez e não deve preocupar-se. Sairá daqui com a virtude intacta. Não a posso violar.
Não devia confiar nele. Devia estar aterrorizada. Pelo contrário, as mãos suaves, a voz tranquila e profunda e o aroma sensual que emanava acalmavam os temores. E provavelmente isso era o que mais a assustava.
 Soltou-a e uma das mãos dele foi até aos cabelos dela. Tirou-lhe os ganchos um a um até que o cabelo lhe caiu sobre os ombros.
— Que belo — sussurrou.
 Sabia que devia sair disparada. Mas, na verdade, não queria separar-se dele.
— Está escuro. Como podes saber que aspeto tenho…
— Vejo-a perfeitamente.
— Eu não vejo nada.
— É melhor assim.
 Seria feio? Seria malformado? Seria disforme? E se fosse, por acaso importaria? Sabia que não. Aceitaria sem querer saber da aparência. Embora, Jesus Cristo… porquê?
— Desculpe apressar isto — Disse bruscamente—. Preciso só do suficiente para me acalmar.
Ouviu um gemido e sentiu que lhe afastavam o cabelo para um lado. Duas afiadas e ardentes agulhas afundaram-se no pescoço, a dor foi um doce assalto. Quando arqueou as costas e ofegou, os braços dele abraçaram-na rapidamente e apertaram-na contra o enorme corpo viril.
Ele gemeu e começou a sorver.
O seu sangue… ele estava… a beber o seu sangue. E, ó meu Deus, sentia-se fantástica.
Pela primeira vez na vida, Claire desmaiou.
Quando acordou, estava na cama, entre os lençóis, ainda envolta na camisa. A penetrante escuridão fazia-a choramingar de uma maneira que nunca acreditou ser capaz, mas não havia nada que a acalmasse, nenhuma realidade a que se agarrar. Sentia que se estava a afogar num denso e profundo mar, os pulmões sufocados pelo que não podia ver.
A ansiedade ativava todo o género de ligações na mente e começou a suar frio. Estava a enlouquecer…
Uma vela brilhou perto dela, iluminando a mesinha de cabeceira e uma bandeja de prata com comida. Um momento depois outra foi acesa do outro lado da enorme cama. E outra colocada no alto das prateleiras que estavam ao lado da porta. E outra no que parecia ser uma casa de banho. E…
Uma a uma foram aparecendo, acesas por ninguém. O que deveria tê-la assustado, mas estava demasiado desesperada para ver e para se importar com o modo como se acendiam as luzes.
 O quarto era muito maior do que tinha imaginado, e o chão, paredes e teto eram da mesma pedra cinzenta. A única peça de mobiliário além da cama era uma escrivaninha do tamanho de uma mesa de banquetes. A suave e lustrosa superfície estava coberta com papéis brancos e altas pilhas de livros encadernados em couro negro. Atrás dela havia uma cadeira com ar de trono, disposta de lado como se alguém tivesse estado sentado nela e se tivesse levantado rapidamente.
Onde estava o homem?
Os olhos foram para o único lugar escuro. E soube que estava ali. A observá-la. À espera.
Claire recordou a sensação dele pressionado contra as costas e levou a mão ao pescoço. Sentiu… nada. Bem, quase nada. Havia dois buraquinhos quase impercetíveis. Como se a mordidela tivesse sido há semanas e semanas atrás.
— O que me fizeste? — perguntou. Embora já soubesse. E, Deus… as implicações eram terríveis.
— Desculpe. — A bela voz soava a tensão—. Lamento o que devo tirar a uma inocente. Mas preciso de me alimentar ou morro e não tenho outra opção. Não posso deixar os meus aposentos.
Claire fechou os olhos por um momento. Ao abri-los, deparou-se com um tabuleiro de xadrez sobre a escrivaninha… o tipo de coisa que acontece quando se está a ponto de se desesperar. Merda.
Passou um longo tempo antes que pudesse pensar coerentemente e o vazio cognitivo estava cheio de visões de Hollywood: o morto vivo, pálido e malvado… vampiro.
 O corpo tremeu-lhe tão violentamente que fez com que os dentes batessem uns nos outros, dobrou-se sobre si mesma, levantou os joelhos até ao peito. Quando começou a balançar, teve o baralhado pensamento de que nunca tinha estado tão aterrorizada em toda a vida.
Isto era um pesadelo. Quer estivesse a sonhar ou não, isto era um pesadelo em absoluto.
— Contaminaste-me? — perguntou.
— Se está… Pergunta-me se a converti no que sou? Não. Não para tudo. Não.
Alimentada pela necessidade de fugir, saiu da cama a voar e foi rapidamente em linha reta para a porta. Não foi muito longe. O quarto andou à roda e tropeçou nos próprios pés. Erguendo as mãos à frente, evitou a queda agarrando-se aos livros.
Ele também a agarrou, foi tão rápido que parecia que se tinha desmaterializado do lugar de onde estivera. Com mãos cuidadosas amparou-a apenas com a força estritamente necessária.
— Precisa de comer.
Amparou-se na prateleira e notou sem razão aparente que estava à frente da coleção completa do George Elliot. Possivelmente era esse o motivo porque falava como se fosse da época vitoriana. Tinha estado a ler livros do século dezanove durante todo o tempo que ali tinha permanecido, fosse lá o tempo que fosse.
— Por favor — implorou a bela voz—. Precisa de comer...
— Tenho de ir à casa de banho. — Olhou através do quarto para um enclave de mármore—. Diz-me que ali dentro há uma sanita.
— Sim. Vê que não tem portas, mas eu desviarei os olhos.
— É melhor.
Claire livrou-se dele e caminhou a cambalear, demasiado alterada, fraca e aterrorizada para se preocupar com a privacidade. E mais, se ele quisesse aproveitar-se dela já o podia ter feito várias vezes. E mais, o sentido de honra estava gravado no timbre da voz dele. Se dizia que não ia olhar, não o faria.
Mas, Claire, tu és parva? Por que diabo acreditas em alguém que não conheces? Em alguém que te mantem presa?
Apesar de isso talvez ser parte do motivo. Obviamente, ele também estava preso ali.
A não ser que estivesse a mentir.
A casa de banho estava revestida a mármore branco do chão ao teto e tinha uma banheira antiga com pés em forma de garra e um lavabo com um pedestal. Foi só quando abriu a torneira para lavar as mãos que notou que não havia espelho.
Lavou a cara e secou-a com uma toalha branca que tirou de um monte. Depois pôs as mãos em concha debaixo do jato de água e bebeu. O estômago acalmou ligeiramente e estava disposta a apostar que um pouco de comida o acalmaria ainda mais, mas não ia ingerir nada que lhe oferecessem. Já tinha feito isso com a chávena de chá e olha onde raios tinha acabado.
De volta ao quarto, fitou o canto escuro.
— Gostava de te ver a cara. Agora.
Não representava um risco adicional. Já sabia que estava na propriedade Leeds e sabia quem ele era … o filho da menina Leeds. Tinha informações suficientes sobre eles para saber que se fossem matá-la para evitar que os identificasse, já tinham motivos suficientes para fazê-lo.
— Quero ver o teu rosto. Agora.
Fez-se um longo silêncio. Depois ouviu as correntes e ele saiu para a luz.
Claire ofegou, levando as mãos à boca. Era tão bonito como a voz, tão bonito como o cheiro, tão bonito como um anjo… e não parecia ter mais de trinta anos.
Teria 1,98m de altura, envolvia-se num robe de seda vermelha que caía até ao chão preso por um cinto bordado. O cabelo era negro como a noite e mantinha-o afastado do rosto, caindo em grandes ondas até… Deus, provavelmente até à cintura. E o rosto… a perfeição era assombrosa, o queixo quadrado, lábios grossos, e nariz reto. Era a síntese da magnificência masculina.
Mas não lhe conseguia ver os olhos. Mantinha-os baixos, a olhar para o chão.
— Meu Deus — sussurrou—. É irreal.
Voltou para a sombra.
— Por favor, coma. Precisarei de si novamente. Em breve.
Claire imaginou-o a mordê-la… a chupar-lhe o pescoço… a beber o que trazia nas veias. E teve de se lembrar que isso era uma violação. E que era uma prisioneira contra a sua vontade e que estava a ser usada por… um monstro.
Baixou os olhos. Parte das correntes que se deslocavam com ele ainda estava à vista. Eram grossas como os punhos dele e supôs que estariam fechadas no tornozelo.
Definitivamente, ele também era um prisioneiro.
— Por que estás preso aqui em baixo?
— Sou um perigo para as outras pessoas. Agora, coma. Rogo-lhe.
— Quem te mantém assim?
 Silêncio. Falou depois:
— A comida. Deve comer a comida.
— Lamento. Não vou tocar nisso.
— Não puseram nada.
— Isso foi o que eu pensei do Earl Grei da tua mãe.
As correntes soaram quando ele regressou à luz.
Sim, estavam presas no tornozelo. No esquerdo.
Atravessou o quarto, mantendo-se o mais longe possível dela e sem olhar para ela. O andar era flexível e gracioso como o de um animal, os ombros balançavam enquanto as pernas o levavam pelo chão de pedra. O poder que emanava dele era… aterrador. E erótico. E triste.
Era como um animal magnífico num jardim zoológico.
 Sentou-se onde ela tinha estado deitada e estendeu a mão para a bandeja de prata da comida. Levantou a tampa da bandeja, deixou-a de lado sobre a mesa e ela pôde sentir o maravilhoso aroma de cordeiro e limão. Desenrolou um guardanapo de linho, pegou num pesado garfo de prata e provou o cordeiro, o arroz e os feijões. Depois limpou a boca na ponta do guardanapo de damasco, limpou o garfo e recolocou a tampa.
Colocou as mãos nos joelhos, mantendo a cabeça baixa. O cabelo era magnífico, tão espesso e brilhante, derramava-se sobre os ombros, as pontas frisadas acariciando a colcha de veludo e as coxas. De facto, os cachos eram de duas cores, de um vermelho vinho e de um negro tão intenso que parecia azul.
Nunca tinha visto aquela combinação de cores. Pelo menos não a sair naturalmente da cabeça de alguém. E tinha acerteza absoluta de que a sua mãe dos infernos não lhe mandava uma cabeleireira todos os meses para lhe retocar as raízes.
— Esperaremos — disse —. E poderá ver que não envenenaram a comida.
Olhou-o fixamente. Embora fosse enorme, era tão calmo, reservado e humilde que não tinha medo dele. É óbvio que a parte lógica do cérebro lhe recordava que devia estar apavorada. Mas depois pensava na forma como a tinha dominado sem a magoar da primeira vez que tinha acordado. E no facto de que ele parecia ter medo dela.
 Com o olhar nas correntes, disse a si própria que deveria dar razão aos tumultuados pensamentos do cérebro. Aquela coisa estava ali por alguma razão.
— Qual é o teu nome? — perguntou-lhe.
As sobrancelhas baixaram.
Deus, a luz que se derramava sobre o rosto fazia-no parecer algo definitivamente etéreo. E ainda assim a estrutura óssea era definitivamente máscula, dura e inflexível.
— Responde.
— Não tenho um — disse.
— O que queres dizer com não ter nome? Como te chamam?
— Fletcher não me chama de nada. A minha mãe está habituada a chamar-me filho. Assim, suponho que seja esse o meu nome. Filho.
— Filho.
Esfregou as coxas com a palma das mãos, de cima para baixo, e a seda vermelha do robe flutuou com elas.
— Há quanto tempo estás aqui em baixo?
— Em que ano estamos? — Quando respondi, ele disse: cinquenta e seis anos.
Ela susteve a respiração.
— Tens cinquenta e seis anos?
— Não. Trouxeram-me para cá quando tinha doze.
— Meu Deus… — Bem, evidentemente tinham diferentes esperanças de vida— Porque é que te puseram nesta cela?
—A minha natureza começou a impor-se. A minha mãe disse que desta forma seria mais seguro para todos.
— Estiveste aqui em baixo este tempo todo? — Devia estar a ficar louco, pensou. Não conseguia imaginar-se sozinha durante décadas. Não era de estranhar que não quisesse olhá-la nos olhos. Não estava habituado a interagir com ninguém—. Aqui em baixo, sozinho?
— Tenho os meus livros. E as minhas ilustrações. Não estou sozinho. Além disso, aqui estou a salvo do sol.
A voz de Claire endureceu quando recordou a agradável, pequena e idosa menina Leeds a drogá-la e a atirá-la para ali, para a cela com ele.
— De quanto em quanto tempo te trazem mulheres?
— Uma vez por ano.
— O quê? Como uma espécie de prenda de aniversário?
— É o tempo máximo que consigo aguentar antes que a fome se torne demasiado intensa. Se esperar mais, morro… é difícil de acreditar. — A voz era impressionantemente baixa. Estava envergonhado.
Claire sentia que se estava a enfurecer a sério, a raiva a crescer e a subir pela garganta. Foda-se, quando a menina Leeds no quarto lhe tinha falado do filho não se estava a armar em casamenteira de coração doce. A mulher tinha visto Claire como comida para o filho, como a um animal.
 — Quando foi a última vez que viste a tua mãe?
— No dia em que me deixou aqui em baixo.
Meu Deus, ter doze anos e ser trancado e abandonado…
— Comerá agora? — perguntou-lhe—. Pode ver que estou ileso.
O estômago rugiu-lhe.
— Há quanto tempo estou aqui?
— Só durante o jantar. Não muito. Haverá dois pequenos almoços, um almoço e mais um jantar e depois estará livre.
Ela olhou em volta e viu que não havia relógios. Foi assim que se adaptou? Ou seja, sabe as horas pelas refeições. Jesus… Cristo.
— Mostras-me os teus olhos? — Perguntou-lhe, dando um passo na direção dele —. Por favor.
Ficou de pé, uma força proeminente envolta em seda vermelha.
— Deixá-la-ei para que coma.
Passou de lado, com a cabeça virada para a outra direção e a corrente a arrastar pelo chão. Quando chegou à escrivaninha, rodou a cadeira de modo a ficar de costas para ela e sentou-se. Levantou um lápis de cor, pôs a mão sobre uma parte do papel branco e grosso. Um momento depois, a grafite começou a acariciar a folha. O som produzido era tão suave como a respiração de um menino.
 Claire olhou para ele fixamente e tomou uma decisão. Depois olhou para a comida por cima do ombro. Tinha de comer. Se ia tirar os dois dali, ia precisar de força.


2 comentários:

Viv disse...

Pobre coitado! Quem é que faz isso a uma criança?

A tradução está muito boa (apesar de não conhecer o original) ;P

Cláudia disse...

Aiiii jezus um dia tenho uma coisinha ma.... eu ate fico com os olhos trocados a ler isto.
Eu ja conheço a história de Wrath and the Letter Opener, Movie Night e In the Nature of Phury mas não tinha conhecimento deste!?! u sei como é possivel... Podias dizer-me em formato lançou Ward esta história, livro ou online? Agradeço muito o k voçes fazem ^.^

 

Instagram

Facebook